O aquecimento global tirará bilhões de pessoas do seu “nicho climático” no qual a humanidade floresceu por milênios, estimou um estudo inédito, expondo uma enorme parcela da população mundial a temperaturas sem precedentes e climas extremos que tornaria o calor intolerável em várias áreas do planeta.

Temperatura atingiria níveis intoleráveis nas regiões sob cor púrpura até o fim do século sob um aquecimento planetário de 2,7ºC em relação ao período pré-industrial, forçando bilhões de pessoas a se mudar para áreas com temperatura menor | REPRODUÇÃO

No entanto, uma ação urgente para reduzir as emissões de carbono e manter o aumento da temperatura global em 1,5°C reduziria o número de pessoas empurradas para fora do nicho climático em 80%, para 400 milhões.

A análise é a primeira do gênero e é capaz de tratar todos os cidadãos de forma igualitária, ao contrário das avaliações econômicas anteriores sobre os danos da crise climática, que foram desviadas para os países mais ricos.

Em países com grandes populações e climas já quentes, a maioria das pessoas será empurrada para fora do nicho climático humano, com a Índia e a Nigéria enfrentando as piores mudanças. No Brasil, a Região Norte seria mais afetada com acentuado aquecimento na Amazônia. A Índia já está sofrendo com ondas de calor extremas, e um estudo recente descobriu que mais de um terço das mortes relacionadas ao calor no verão de 1991-2018 ocorreram como resultado direto do aquecimento global causado pelo homem.

O estudo mostra que as mudanças climáticas já colocaram cerca de 9% das pessoas (mais de 600 milhões) fora do nicho. Até o final do século (2080–2100), as políticas atuais que levariam a um aquecimento global de cerca de 2,7 °C poderiam deixar um terço (22%–39%) das pessoas fora do nicho. A redução do aquecimento global de 2,7ºC para 1,5 °C resultaria numa redução de cinco vezes na população exposta ao calor sem precedentes (temperatura média anual de 29°C ou mais).

O professor Tim Lenton, da Universidade de Exeter, no Reino Unido, que liderou a nova pesquisa, disse que “os custos do aquecimento global são frequentemente expressos em termos financeiros, mas nosso estudo destaca o custo humano fenomenal de não enfrentar a emergência climática”.

“As estimativas econômicas quase sempre valorizam mais os ricos do que os pobres, porque eles têm mais ativos a perder e tendem a valorizar os vivos agora em detrimento dos que viverão no futuro. Estamos considerando todas as pessoas como iguais neste estudo”, afirmou.

“Apesar das crescentes promessas e metas para enfrentar a mudança climática, as políticas atuais ainda deixam o mundo em curso para cerca de 2,7°C de aquecimento global acima dos níveis pré-industriais até o final do século, longe do ambicioso objetivo de o Acordo de Paris para limitar o aquecimento global a 1,5°C”, diz o trabalho.

“Mesmo implementando totalmente todas as contribuições determinadas nacionalmente até 2030, promessas de longo prazo e metas líquidas de emissões zero, um aquecimento global de quase 2°C é esperado ainda neste século”, projeta o estudo.

O professor Chi Xu, da Universidade de Nanjing, na China, que também é parte da equipe de pesquisa, destacou que “as altas temperaturas têm sido associadas a problemas como aumento da mortalidade, diminuição da produtividade do trabalho, diminuição do desempenho cognitivo, aprendizado prejudicado, problemas adversos resultados da gravidez, diminuição do rendimento das colheitas, aumento de conflitos e propagação de doenças infecciosas”.

O professor Marten Scheffer, da Universidade de Wageningen, na Holanda, e autor sênior do estudo, enfatizou que aqueles que foram empurrados para fora do nicho climático podem considerar a migração para lugares mais frios: “Não apenas a migração de dezenas de milhões de pessoas, mas pode ser um bilhão ou mais”.

A ideia de nichos climáticos para animais e plantas selvagens está bem estabelecida, mas o novo estudo, publicado na revista Nature Sustainability, identificou as condições climáticas nas quais as sociedades humanas prosperaram.

Ele descobriu que a maioria das pessoas vivia em lugares com temperaturas médias anuais em torno de 13°C a 25°C. As condições externas muito quentes, frias ou excessivamente secas estão associadas a taxas de mortalidade mais altas, menor produção de alimentos e menor crescimento econômico.

“O nicho climático descreve onde as pessoas floresceram e floresceram por séculos, senão milênios no passado”, disse Lenton. “Quando as pessoas estão fora [do nicho], elas não prosperam”, explicou.

Os cientistas então usaram modelos climáticos e populacionais para examinar as prováveis mudanças futuras no número de pessoas fora do nicho climático, que eles definiram como acima de uma temperatura média anual de 29°C.