Moradores de Cape Town lotaram a praia de Muizemberg durante o sábado com o calor extraordinário e recorde que atingiu o Cabo Ocidental e outras partes da África do Sul com máximas acima de 45ºC | ALESSANDRO IOVINO/AFP/METSUL METEOROLOGIA

A temperatura ontem chegou a 45,2ºC na Cidade do Cabo, na África do Sul, recorde absoluto de temperatura máxima em toda a série histórica. A marca na estação de Cape Town Table Bay dizimou o recorde anterior de máxima de 42,4ºC de 3 de março de 2015.

Trata-se de um valor extraordinário de temperatura máxima para uma cidade que pela sua posição geográfica mais ao Sul e costeira não costuma ter temperatura em patamar tão extremo e que a colocou como uma das mais quentes do planeta e a mais quente do continente africano no sábado.

De acordo com Max Herrera (@extremetemps), que apura recordes meteorológicos no mundo inteiro, o calor prosseguiu com enorme força no Sul da África neste domingo. Em Luderitz, na costa do Sul da Namíbia, geralmente agradável pela brisa do mar, a mínima hoje foi de 30,5ºC e a máxima de 42,7ºC, apenas 0,2ºC abaixo do recorde absoluto.

Houve recorde absoluto de máxima na cidade litorânea de Tulear (Toliara), em Madagascar, com 43,2ºC. O recorde anterior era de 40,4ºC em fevereiro de 1962. É a maior temperatura em janeiro em Madagascar desde 1936, quando fez 42,4ºC em Ampanihy.

O calor em Cape Town foi favorecido por uma área de alta pressão em altitude e o vento Berg que intensificou ainda mais a elevação da temperatura. O vento Berg ocorre quando o ar que aquecido no extenso planalto central da África do Sul desce as encostas e flui até a costa. Neste processo, sofre um aquecimento adicional por processos chamados de adiabáticos.

É o que explica ser um vento muito seco e quente que sopra ao longo da costa da África do Sul. O processo é semelhante ao vento Norte muito quente e seco que sopra na região de Santa Maria e nos vales com temperatura noturna às vezes perto de 30ºC em pleno inverno em condição pré-frontal com ciclone extratropical.

Embora os ventos de berg sejam frequentemente chamados de ventos de Föhn, que sopra nos Alpes europeus, o seu processo de origem é distinto. O vento seco e quente Föhn, assim como o Zonda na Argentina, ocorre por chuva no lado oposto ao do vento na cadeia montanhosa. Isso libera calor latente na atmosfera que é então aquecido ainda mais à medida que o ar desce no lado de sotavento. Os ventos de Berg, ao contrário, não se originam na precipitação e sim no planalto central via de regra seco e muitas vezes árido da África Austral.

Cabo e outras grandes cidades da África do Sul não estão preparadas para calor como de ontem. À medida que o clima muda, o número, a intensidade e a duração das ondas de calor – definidas como temperaturas excepcionalmente altas que duram três ou mais dias consecutivos – na África do Sul aumentarão acentuadamente no futuro, de acordo com François Engelbrecht, climatologista da Universidade do Instituto de Mudanças Globais de Witwatersrand e autor do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas.

No século passado, a temperatura média global aumentou 1,2°C, mas no interior da África do Sul, de onde parte o vento Berg que atingiu hoje Cape Town, a temperatura está a aumentar cerca de duas vezes a taxa global de elevação da temperatura. Já está 2°C mais quente do que há um século. De acordo com Engelbrecht, os aumentos de temperatura devem variar entre 4°C e 7°C no interior da África Subsaariana, um hotspot de mudança climática, até o final do século, se os esforços para reduzir ou impedir a emissão de gases de efeito estufa continuarem tímidos.

“Em um clima em mudança, nas partes subtropicais do mundo, como o Sul do Brasil e a África do Sul, esses grandes sistemas de alta pressão se formam com mais frequência e também estão se tornando mais fortes”, disse Engelbrecht. “Portanto, as ondas de calor estão começando a ocorrer com mais frequência. É uma tendência que pode ser claramente detectada, assim como podemos detectar o aumento das temperaturas médias”, afirma.

“E os próximos 20 anos estão projetados para trazer ondas de calor de magnitude e duração sem precedentes para a África. Isso significa que eles durarão mais do que nunca”, alertou, “e então também serão mais intensos. Assim, os próprios sistemas de alta pressão se tornarão mais fortes, mas também podem trazer temperaturas de superfície mais altas do que no passado”, conclui.