O setor mais a Leste do Oceano Pacífico Equatorial, perto das costas do Peru e do Equador, registra um forte aquecimento desde fevereiro e que se acelerou muito nos últimos dias. Os sinais são de que um denominado El Niño costeiro, diferente do chamado El Niño clássico e que pode vir nos próximos meses, está se instalando na região.

NASA

Conforme o Centro Nacional de Previsão do Clima da NOAA, os indicadores de La Niña praticamente desapareceram em fevereiro. A La Niña está associada a águas mais frias do que o normal no Oceano Pacífico tropical, mas recentemente as águas aqueceram e na costa do Peru e do Equador as anomalias de temperatura já estão até em patamar de El Niño costeiro, embora não haja um evento canônico de El Niño ainda.

De acordo com o último boletim da Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera (NOAA), dos Estados Unidos, a anomalia de temperatura da superfície do mar era de -0,1ºC na denominada região Niño 3.4, no Pacífico Equatorial Central, que é usada oficialmente para definir se há um El Niño na forma clássica e de impacto global. O valor está na faixa de neutralidade de -0,4ºC a +0,4ºC.

Por outro lado, a região Niño 1+2, perto das costas do Equador e do Peru, que costuma impactar as precipitações mais no verão e a temperatura no Sul do Brasil em qualquer época do ano, estava com anomalia de +1,5ºC, em nível de El Niño forte e costeiro.

O El Niño costeiro, é ​ evento oceânico-atmosférico que consiste no aquecimento anômalo das águas do Oceano Pacífico equatorial nas proximidades das costas sul-americanas, que implica que afeta o clima de países como Peru, Equador e às vezes no Chile. É um fenômeno local que não afeta todo o clima mundial.

É diferente do El Niño na sua forma clássica ou canônica, que é fenômeno climático global de maior dimensão e que consiste no aquecimento anômalo do Pacífico Central e Leste na zona equatorial. Este El Niño clássico é que pode se instalar nos próximos meses. O que agora parece se instalar na costa peruana é o El Niño local.

A Comissão Multissetorial encarregada do Estudo Nacional do Fenômeno El Niño (ENFEN), do Peru, alterou nesta semana o seu status do sistema de alerta “não ativo” para “vigilância de El Niño costeiro” ante o acentuado aquecimento do Pacífico Equatorial Leste. A comissão prevê a chegada de novas Ondas Kelvin com águas mais quentes nas próximas semanas, o que poderia aquecer ainda mais as costas peruanas com episódios de chuva extrema no país.

Uma vez que tanto o El Niño de impacto global como o El Niño costeiro se dão em seu litoral, o Peru sofre muito com o aquecimento anômalo das águas em sua costa. Por esta razão, os dois fenômenos causam muita apreensão entre os peruanos. O Peru sofreu com chuvas e huaicos (deslizamentos) nos últimos dias com escala em algumas áreas que não se via desde o Super El Niño clássico de 1997/1998 e o intenso El Niño costeiro de 2017.

O intenso El Niño costeiro de 2017 trouxe o maior desastre na região desde o El Niño poderoso de 1997 e 1998. As chuvas se intensificaram a partir do final de janeiro de 2017 e seu maior impacto foi no final de março, durando até abril. No Peru, foram registrados 101 mortos, 353 feridos, 19 desaparecidos, 141 mil desabrigados e quase um milhão de afetados. O Equador teve 16 mortes.

No Peru, as chuvas aumentaram em todo o país, produzindo chuvas torrenciais e tempestades elétricas que causaram transbordamentos, inundações, deslizamentos de terra, nevascas ou granizo nas montanhas andinas e severos impactos nas costeiras de Tumbes, Piura, Lambayeque, La Libertad, Ancash e Lima. No Equador, as províncias de El Oro, Loja, Azuay e a cidade de Guayaquil foram especialmente afetadas, produzindo chuvas 5 vezes superiores ao normal.

Este incipiente evento de El Niño costeiro teve seu gatilho um evento da Oscilação de Madden-Julian, uma oscilação associada à instabilidade que circunda o globo pelos trópicos a cada 30 a 60 dias, que teve a maior magnitude na fase 8 (do Hemisfério Ocidental) em décadas.

Ademais, houve um evento chamado de Westerly Wind Burst (WWB), ou numa tradução livre de Estouro de Vento de Oeste, que colaborou para que águas mais quentes atingissem a superfície do oceano, gerando o súbito e acelerado aquecimento do mar na costa peruana. Este tipo de ocorrência (WWB) costuma ser a largada de episódios de El Niño na sua forma clássica e de repercussão global.

NIWA

Um “estouro de vento de Oeste” é um fenômeno comumente associado a eventos de El Niño, em que os típicos ventos alísios de Leste a Oeste ao longo do Pacífico equatorial mudam para Oeste a Leste. A literatura define como ventos sustentados de ao menos 25 km/h de Oeste durante período de 5 a 20 dias.

Embora não receba grande atenção por aqui, eventos de El Niño costeiro impactam o Sul do Brasil. No verão de 2017, o Pacífico Central estava mais frio do que a média e o grande temor entre os produtores do Sul do país era de um verão de estiagem, mas na virada do ano se iniciou na costa peruana um surpreendente evento de El Niño costeiro que resultou em um verão mais chuvoso com uma grande safra.

Uma vez que a condição do Pacífico Central é de neutralidade, sem Niño ou Niña, e neutralidade é não raro confundida com normalidade, não será surpresa se muitas previsões para o outono indicarem condições próximas das médias históricas, mas no entendimento da MetSul o evento de El Niño costeiro tem potencial para fazer o outono climático muitíssimo mais quente do que o normal e com alguns extremos de precipitação.

O retorno da chuva com grandes volumes nesta semana para o Centro da Argentina e o Uruguai, com volume que acreditamos serão os maiores em meses em algumas cidades, com alto risco de inundações por episódios localizados extremos de 100 mm a 200 mm em poucas horas, na avaliação da MetSul já será um reflexo do El Niño costeiro se instalando.