Onda de calor marinha que atinge o Mar Mediterrâneo ocidental após as sucessivas ondas de calor atmosféricas faz a alegria dos veranistas pelas águas mais quentes, mas pode trazer um enorme impacto para a vida marinha | PASCAL POCHARD-CASABIANCA/AFP/METSUL METEOROLOGIA

O Mar Mediterrâneo enfrenta uma “grande onda de calor marinho” desde o final de maio com temperaturas das águas cerca de 4ºC a 5 ºC acima do normal, o que ameaça os ecossistemas marinhos, segundo especialistas. O intenso aquecimento das águas é comparado por experts aos efeitos de incêndios florestais, só que na água, pelo efeito de destruição do ecossistema marinho pela temperatura elevada das águas.

“Esta grande onda de calor marinho começou no final de maio no mar da Ligúria”, entre a Itália e o sul da França, e continuou “em julho no Golfo de Taranto”, no Sudeste da Itália, segundo a oceanógrafa Karina Von Schuckmann. A especialista alemã trabalha para a Mercator Océan International, com sede em Toulouse (Sul da França), e que reúne institutos especializados em oceanografia da França, Itália, Espanha, Reino Unido e Noruega.

Em julho, “desde o mar das Baleares (Espanha) até a Sardenha (Itália), passando pelo Leste da Córsega e todo o Mar Tirreno (entre a Sicília e a Córsega), observamos na superfície (…) valores excepcionais de temperaturas entre 28ºC e 30 ºC”, explica a organização. Estes valores são “mais elevados do que o habitual, entre 4 ºC e 5 ºC acima da média”, acrescenta a organização sem fins lucrativos que também lidera o Serviço Europeu de Vigilância Marinha Copernicus (CMEMS).

Se para os muitos banhistas do Mediterrâneo, um dos principais destinos turísticos do mundo, as temperaturas podem ser agradáveis, seus níveis elevados preocupam tanto os cientistas como ambientalistas. O aumento da temperatura pode modificar a flora e a fauna, provocar a migração de espécies para águas menos quentes, a diminuição de algumas e o aparecimento de novas, aponta Von Schuckmann. Isso também teria efeitos econômicos, principalmente na pesca, acrescenta a especialista, uma das autoras dos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).

Água-viva gigante

A onda de calor marinha deve ter um grande impacto no ecossistema. “No Mediterrâneo, após os episódios de ondas de calor marinhas dos anos de 1999, 2003 e 2006, observamos muitos casos de mortalidade em massa de espécies, como gorgônias”, indica relatório do centro de pesquisa francês CNRS, de 2020.

Charles-François Boudouresque, que é professor de Ecologia Marinha da Universidade Francesa de Aix-Marselha, estima que a atual onda de calor pode ter um impacto “em organismos fixos como gorgônias e corais vermelhos”, com mortalidade “total ou parcial”.

Espécies como o colorido “peixe verde ou a barracuda, que começou a se mover para o Norte a partir do Sul do Mediterrâneo, também devem ser mais abundantes”, acrescentou à agência AFP. “Espécies do Mar Vermelho, que chegaram ao Mediterrâneo oriental através do Canal de Suez”, também estão se aproximando da costa francesa e duas delas podem ser problemáticas nos próximos “5 a 10 anos”: o peixe Lagocephalus sceleratus e a água-viva gigante Rhopilema.

O primeiro é um “herbívoro extraordinariamente voraz” que “corre o risco de causar um curto-circuito nas cadeias alimentares normais”. Já presente na costa do Líbano, sua proliferação no Mediterrâneo ocidental pode ameaçar as florestas de algas que servem de berçário para outros peixes. A água-viva gigante, por sua vez, causa picadas graves que exigem hospitalização e fechamento de praias quando está presente, ressalta Boudouresque.

Para combater essas ondas de calor marinhas, “as emissões de gases de efeito estufa devem ser reduzidas”, mas mesmo que as emissões fossem interrompidas totalmente hoje, os oceanos, que armazenam 90% do calor do sistema terrestre, continuariam aquecendo, explica Von Schuckmann.

Ondas de calor marinhas mais frequentes e intensas

As ondas de calor marinhas dobraram de frequência desde a década de 1980, de acordo com o relatório do IPCC publicado em agosto de 2021. Entre 2015 e 2019, “o Mediterrâneo registou (…) cinco anos consecutivos de mortalidade em massa de espécies” devido a estes episódios, aponta um artigo recente na revista científica Global Change Biology.

“Desde 2003, pelo menos, tornaram-se mais regulares e no futuro durarão mais, ocuparão mais espaço no mar e serão mais intensas e severas”, enfraquecendo um mar precioso em termos de biodiversidade, alerta Von Shuckmann. Embora o Mediterrâneo cubra menos de 1% da superfície oceânica do planeta, abriga “18% de todas as espécies marinhas conhecidas”, diz um relatório da rede de especialistas mediterrâneos em mudanças climáticas (MedECC), e tem “a maior proporção de habitats marinhos ameaçados na Europa”.