Não foi verão, mas quase. O terceiro mês mais frio da climatologia anual histórica do Rio Grande do Sul no ano de 2012 fugiu completamente ao padrão normal e apresentou o que a equipe da MetSul Meteorologia considerou um padrão atmosférico bizarro. Desvios em relação à média altos são mais comuns no inverno que no verão, mas o que se presenciou e se sentiu na pele em agosto aqui no Estado foi absolutamente insólito do ponto de vista histórico. Um número altíssimo de dias quentes e secos, o que trouxe conseqüências raras como índices de qualidade do ar inadequados na Grande Porto Alegre e o florescimento das árvores quase um mês antes da habitual, confundindo completamente a natureza (fotos de Paulo Nunes e Fabiano do Amaral do Correio do Povo).
Meses com temperatura incrivelmente acima da média, como agosto de 2012, são por demais raros. Porto Alegre teve o agosto mais quente desde o começo das medições em 1910. A média geral (composta) foi de 19,1ºC, 3,8ºC acima da normal, batendo agosto de 2001 que era o mais quente da série histórica com média de 18,7ºC. A média mínima na Capital de 14,7ºC (2,9ºC acima da normal) também é a maior em um século em agosto, batendo o recorde de 14,4ºC de 2001. A média máxima de 26,3ºC (6,0ºC acima da normal) foi a maior já vista no mês, liquidando o recorde de 2001 (25,0ºC).
Exemplos do absurdo é que Bom Jesus teve uma média máxima de 21,2ºC, valor 0,9ºC acima da média máxima histórica de agosto de, atentem, Porto Alegre.
Caxias do Sul anotou uma média máxima em agosto de 2012 de 22,7ºC, acima das médias máximas de setembro (19,7ºC) e até outubro (21,6ºC) da cidade. O mesmo ocorreu em Encruzilhada do Sul com média das máximas em agosto de 24,0ºC, marca que supera as normais históricas (1961-1990) de máximas de setembro (19,5ºC) e outubro (22,3ºC), quase se aproximando da média histórica de novembro de 24,8ºC. Iraí terminou agosto (inverno) com média máxima de 27,2ºC, valor semelhante à média máxima histórica de fevereiro (verão) em Santa Vitória do Palmar que é de 27,4ºC. Campo Bom anotou 16 dias acima de 30ºC, em padrão de novembro, contra apenas dois dias com marcas acima de 30ºC em agosto do ano passado. Este recém findo agosto de 2012 foi muito semelhante, porém mais quente, ao que se experimentou em agosto no ano de 2001, também de marcas muito acima da média com recordes históricos que agora foram batidos. A semelhança na distribuição geográfica e intensidade das anomalias de temperatura entre agosto de 2001 e agosto de 2012 no território brasileiro, aliás, impressiona.
O grande responsável pelo calor persistente em agosto, segundo nossos meteorologistas, foi um padrão de bloqueio atmosférico entre a América do Sul e o Atlântico Sul em que a pressão atmosférica ficou acima da média entre o continente americano e a África. Com isso, frentes frias pouco progrediram e houve baixa freqüência de pulsos de ar frio nas latitudes médias. Isso determinou que agosto terminasse com chuva abaixo da média em grande parte do Estado. Foi o décimo mês seguido de chuva irregular no Estado, desde que em novembro de 2011 as precipitações começaram a ficar escassas. O bloqueio fez com que a instabilidade se mantivesse sobre o Centro da Argentina e o Uruguai. Algumas cidades da província de Buenos Aires registram o agosto mais chuvoso em, pelo menos, um século. No Noroeste gaúcho, a precipitação foi muito escassa. Desde que começou a operar a estação meteorológica em Iraí, em 1935, jamais havia sido registrado agosto tão seco. Foram ridículos 16,1 mm.
Anomalia de temperatura em agosto de 2012 em Santa Maria (gráfico) foi a maior dos últimos 12 meses, superando as de fevereiro e começo de março que já tinham sido muito altas e históricas
Curiosamente, e muito interessante, o último mês do inverno (março) nos Estados Unidos em 2012 foi o mais quente desde 1910. No mesmo ano, agosto também foi muito quente no Rio Grande do Sul com uma média mensal (composta) de 17,2ºC em Porto Alegre. O ano de 1910 foi de La Niña (condição do começo deste ano) e os meses de junho e julho tinham registrado dias muito gelados em Porto Alegre, tal como em 2012. Ocorre que em 2001, outro ano de agosto por demais quente no Rio Grande do Sul, março foi frio nas áreas onde em 2012 fez muito calor. Atribuição de causa e efeito ao fenômeno El Niño ou La Niña ou correlação simples com inverno do Hemisfério Norte, assim, por si só, não explicam o que se deu em agosto no Rio Grande do Sul.
Mapas com anomalias de temperatura nos Estados Unidos em março de 1910 e março de 2012
Até que ponto um agosto tão quente se insere dentro da variabilidade natural do clima ? E até que ponto poderia ser atribuído às mudanças climáticas ou aquecimento global ? Este é um ponto dramático de se resolver e sem resposta. A ciência ainda debate se gases do efeito estuda contribuíram para eventos extraordinários de tempo quente como as ondas de calor da Europa de 2003, a épica de Moscou de 2010 ou a de março de 2012 registrada nos Estados Unidos (leia mais). Alguns estudos indicaram correlação com o aquecimento global e outros não. Trabalho americano publicado pela Proceedings of the National Academy of Sciencese, em outubro de 2011, concluiu que o aquecimento local anotado em Moscou (Rússia) aumentou a expectativa de recordes por década em 500%. O estudo ainda determinou que existe 80% de chance que a onda de calor de julho de 2010 não teria se dado sem aquecimento global.