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Com o olhar perdido, Mesut Hancer segura a mão de sua filha morta, Irmak, de 15 anos, inerte entre duas placas de concreto. A imagem do pai ao lado da filha, morta sobre na calma enquanto dormia durante o terremoto da trágica madrugada da segunda-feira na Turquia, comoveu o mundo nesta segunda-feira.

ADEM ALTAN/AFP/METSUL METEOROLOGIA

ADEM ALTAN/AFP/METSUL METEOROLOGIA

A fotografia do repórter fotográfico Adem Altan da agência internacional de notícia AFP estampou durante o dia as capas das edições digitais de jornais brasileiros e do mundo. A imagem ao mesmo tempo de profunda dor e amor paterno foi feita na cidade turca de Kahramanmaras, onde sofrinmento e a revolta se misturam, em meio à falta de ajuda às vítimas do terremoto que deixou milhares de mortos.

Epicentro do devastador terremoto de 7,8 de magnitude que abalou o sul e o sudeste da Turquia na segunda-feira (6), Kahramanmaras é apenas ruína e desolação. Até esta terça, nenhuma ajuda, ou suprimentos, havia chegado a esta cidade de mais de um milhão de habitantes, situada no Sul da região da Capadócia.

Aqui, assim como na cidade de Antioquia, mais ao sul, às portas da Síria, acumulam-se frustração e ressentimento com o Estado ausente. Ali Sagiroglu espera por reforços há dois dias, ainda na esperança de ver seu irmão e seu sobrinho, presos nos escombros de seu prédio. Os oito prédios do conjunto Ebrar, no centro da cidade, desabaram sobre si mesmos.


Eram 4 da madrugada, e poucos dos que dormiam conseguiram sair a tempo de seus apartamentos, cerca de dez para cada prédio. “Onde está o Estado? Onde estão? Olhe ao seu redor. Não tem um único funcionário, pelo amor de Deus. Já se passaram dois dias, e não vimos ninguém. Não trouxeram nem um único tijolo. As crianças morreram congeladas”, desabafa Ali.

Na noite de ontem, a primeira após a catástrofe, uma nevasca misturada com chuva torrencial envolveu os sobreviventes em um frio úmido. Sem nem mesmo uma barraca para se abrigar, quem tinha carro pernoitou no veículo, enquanto outros se amontoavam em torno de braseiros na rua.

“Ontem de manhã você ainda podia ouvir as vozes pedindo ajuda nos escombros, mas elas se calaram. As pessoas provavelmente morreram congeladas”, disse um homem de 40 anos que procurou ajuda e pediu para não ser identificado. Segundo ele, pelo menos 150 pessoas ficaram presas em cada prédio do conjunto de Ebrar.

Nas ruas devastadas, os sobreviventes esperam ao lado dos corpos de seus entes queridos, enrolados em uma manta. Ninguém aparece para buscá-los. Na casa de Cuma Yildiz, há raiva e tristeza ao mesmo tempo. “Onde eles estão? Falam, falam, brigam feito cães, mas onde estão agora?”, questiona, chorando.

Na tentativa de desmentir as queixas da população, o ministro do Interior, Suleyman Soylu, visitou Kahramanmaras nesta terça-feira e afirmou que, até agora, 2.000 socorristas foram mobilizados para as áreas afetadas.

Diante da crescente frustração, o presidente Recep Tayyip Erdogan declarou, nesta terça, estado de emergência nas províncias afetadas. Em Antioquia, bem mais ao sul, os sobreviventes se encontram no mesmo estado de abandono.

Onur Kayai, de 40 anos, passa em frente a seu prédio em ruínas, suplicando por ajuda para sua mãe e seu irmão. Tentou libertá-los, com suas próprias mãos, várias vezes. “Já movi três pedras sobre a cabeça do meu irmão, mas é muito difícil. A voz da minha mãe ainda é clara, mas não ouço mais a do meu irmão”, lamenta.

Sem ajuda, sem comida e sem comunicação, a população é obrigada a se virar sozinha. A professora de jardim de infância Semire Coban, de 45 anos, corre desesperada em direção às duas equipes de resgate locais que ela encontrou. Três de seus parentes, incluindo um sobrinho, estão enterrados. “Preferem se concentrar nos lugares onde ainda se ouvem vozes entre as ruínas”, diz. A família de Semire não responde mais.

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