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ALEX PAZUELLO/SECOM-AM

Por Philip Fearnside (Biólogo e Pesquisador titular do Departamento de Ecologia, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA), e Rosimeire Araújo Silva (Pesquisadora no Programa da Dinâmica Ambiental, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA)

A Amazônia enfrenta uma seca sem precedentes que, segundo as previsões científicas, continuará a afetar a região até, pelo menos, meados de 2024. Os sinais de sua gravidade incluem os níveis mais baixos de água na cidade de Manaus em 121 anos de registros do nível do rio, com a exposição de vastas áreas do leito do rio Amazonas, a morte de mais de 150 golfinhos em um lago onde a temperatura da água atingiu 39 °C (2 °C acima da temperatura do corpo humano) e populações humanas isoladas ao longo dos rios amazônicos, sem seus meios de subsistência e sem necessidades básicas.

Os modelos climáticos previram que o aquecimento global criaria “super El Niños”, e agora eles claramente chegaram. Este ano, por exemplo, observamos a ocorrência simultânea de três tipos de seca que, juntos, afetam praticamente toda a região amazônica.

A previsão para o período de novembro de 2023 a janeiro de 2024 é de seca em quase toda a região. Algumas áreas com previsão de chuva no Peru podem ajudar com os níveis de água no rio Amazonas, mas não com a vasta área da floresta amazônica exposta ao estresse da seca e aos incêndios florestais.

El Niño oriental

Há um El Niño oriental causado pela água quente na parte leste do Oceano Pacífico equatorial, como ocorreu durante o El Niño “Godzilla” de 2015, e a água lá está ainda mais quente do que em 2015. Os ventos de 250 km/h do furacão Otis, que devastou a cidade de Acapulco, no México, são uma prova da força do aquecimento no leste do Pacífico.

Além da seca no norte da Amazônia, os efeitos de um El Niño oriental se estendem à parte sul da região, como aconteceu durante os incêndios florestais de 2015-2016 no estado do Acre, no Brasil, e agora se reflete nos baixos níveis recordes de água nos afluentes amazônicos da parte sul da bacia, incluindo o rio Madeira, onde a geração de eletricidade precisou ser completamente interrompida na quarta maior usina hidrelétrica do Brasil, a barragem de Santo Antônio.

El Niño central

A água quente no Pacífico oriental está agora se expandindo para a parte central do oceano, onde provoca um El Niño central, como ocorreu em 1982 e 1997. Um El Niño central resulta em uma seca intensa no norte da Amazônia, sendo o estado de Roraima, na fronteira do Brasil com a Venezuela, o mais famoso pelos incêndios florestais. O “grande incêndio de Roraima” em 1997 queimou 1,25 ± 0,15 milhão de hectares de floresta.

O El Niño de 1982, além de matar árvores na Amazônia, matou mais de 200 mil pessoas na Etiópia e nos países vizinhos – um evento marcado pela música “We are the World”, que foi cantada para arrecadar doações para as vítimas. O El Niño de 1982 foi apresentado como um ato de Deus – como um terremoto ou um tsunami que não é culpa de ninguém, mas a partir do relatório de 1995 do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), sabia-se que algo havia mudado no sistema climático global, tornando os El Niños mais frequentes desde 1975, e no relatório do IPCC de 2007 tornou-se oficial que o aquecimento global causará “condições semelhantes ao El Niño” mais frequentes.

Isso muda completamente o contexto político e moral desses eventos porque o aquecimento global está aumentando devido às ações humanas, e a responsabilidade de cada país e até mesmo de cada indivíduo pode ser quantificada. A probabilidade de que a água no Oceano Pacífico central retorne à temperatura “normal” é prevista para ser essencialmente zero até janeiro-março de 2024, e não chegará a 50% até maio-julho de 2024.

Dipolo do Atlântico

O terceiro tipo de seca que atinge a Amazônia é causado pelo fenômeno climático “dipolo do Atlântico”, em que uma mancha de água quente se forma no Oceano Atlântico Norte tropical, enquanto há água mais fria no Atlântico Sul, como pode ser visto na Imagem 2. Um dipolo do Atlântico causa seca na parte sudoeste da Amazônia, como aconteceu em 2005 e 2010. Os incêndios florestais no Acre em 2005 e 2010 são prova do poder do dipolo do Atlântico. O dipolo atlântico atual está previsto para durar até pelo menos junho de 2024.

Previsão para a Amazônia até 2100

As previsões de mudanças no clima da Amazônia até o ano 2100 são realmente catastróficas. Esse ano é daqui a 77 anos, e muitas das crianças de hoje viverão para vê-lo. Até o momento, a temperatura média global aumentou 1,2 °C desde o início da revolução industrial em 1750, e os impactos disso já são visíveis em todo o mundo, inclusive na Amazônia.

Se todos os países cumprirem seus compromissos, como os assumidos no Acordo de Paris, a temperatura média global aumentaria para cerca de 2,7 ± 1 °C acima da média pré-industrial até 2100, mas se as emissões continuarem a aumentar de acordo com os atuais “caminhos socioeconômicos compartilhados” (SSPs) do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), ela atingiria mais de 4 °C.

Tais previsões consideram apenas as emissões intencionais causadas pelos humanos – as emissões não intencionais, como incêndios florestais e aquecimento do solo, provavelmente também aumentarão e, se for atingido um ponto de inflexão e as emissões não intencionais explodirem fora do controle humano, a situação será muito pior. A história não termina em 2100, e as temperaturas continuarão a subir.

Os aumentos médios da temperatura global são sempre menores do que os aumentos em um local como a Amazônia porque 70% do planeta é coberto por água, e os aumentos da temperatura do ar são menores nos oceanos do que nos continentes. O aumento de 4 °C na média global implica um aumento do máximo de mais de 6 °C em toda a Amazônia (Imagem 3). Ao mesmo tempo, haverá falta de água, com o número de dias consecutivos de chuva por ano aumentando em até 40 dias ou mais.

Mudanças previstas pelo 6º Relatório de Avaliação do IPCC para a América do Sul: temperatura máxima anual (TXx), precipitação total anual, precipitação máxima anual de 5 dias (RX5day) e dias secos consecutivos anuais (CDD) a 1,5°C, 2°C e 4°C de aquecimento global em relação a 1850-1900. Os cenários nas duas primeiras linhas (1,5°C e 2°C) pressupõem grandes reduções nas emissões globais. IPCC

Deve-se lembrar também que as médias são sempre muito menores do que as máximas, especialmente durante eventos extremos. Portanto, as mudanças até 2100 poderiam causar a perda da floresta amazônica mesmo que as médias fossem controladas para níveis como 2°C (a linha do meio na Imagem 3), muito mais baixos do que aqueles com altas emissões (a linha inferior na Imagem 3). A floresta seria degradada por impactos como a morte de árvores em pé por excederem seus limites de tolerância à temperatura e ao estresse hídrico.

Quando as temperaturas aumentam, qualquer planta precisa de mais água apenas para sobreviver, e essa água não estará disponível durante secas mais intensas e mais longas. As florestas da Amazônia variaram muito em sua sensibilidade ao estresse hídrico causado pelo El Niño de 2015, sendo mais sensíveis na parte noroeste da região.

As florestas tropicais da América do Sul perderam pelo menos 820 milhões de toneladas de carbono durante o El Niño de 2015, sem contar os incêndios florestais. Os incêndios florestais são mais frequentes e maiores em condições secas e quentes, favorecidos também pelos impactos da exploração madeireira, tanto legal quanto ilegal, que está se espalhando rapidamente na região. Os modelos climáticos indicam um aumento de 43 ± 17% na derrubada de árvores por rajadas de vento até 2100 sob o atual cenário de altas emissões do IPCC SSP 585.

A floresta amazônica tem enormes estoques de carbono nas árvores e no solo. Diferente da emissão de carbono na forma de gases de efeito estufa de um ano para o outro, esse estoque de carbono representa uma bomba silenciosa que pode explodir sem ser intencional.

O último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) indica que toda a atividade humana (principalmente a queima de combustíveis fósseis e desmatamento) libera 12 bilhões de toneladas de carbono por ano (somente o carbono, sem contar o peso dos dois átomos de oxigênio no CO₂). Como o máximo que podemos fazer é não emitir mais nada, isso significa que o aquecimento global escaparia do controle humano se mais de 12 bilhões de toneladas de carbono adicionais fossem emitidas por ano por mudanças não intencionais, como os incêndios florestais, o derretimento da tundra, o aquecimento dos solos do mundo e o aquecimento dos oceanos, reduzindo sua absorção de CO₂.

A Amazônia está no centro desse problema. Com base em estimativas da Amazônia brasileira, a região pan-amazônica como um todo tem aproximadamente 80 bilhões de toneladas de carbono na vegetação e 90 bilhões no primeiro metro de solo, além de aproximadamente 250 bilhões no solo entre 1 e 8 m de profundidade, que seriam liberados mais lentamente. Todos esses números são muito maiores do que 12 bilhões de toneladas, e apenas uma pequena fração desse carbono sendo liberada no espaço de alguns anos, por exemplo, quando as florestas morrem devido a secas e incêndios, seria a gota d’água para empurrar o clima global para além de um ponto de inflexão.

O que precisa ser feito?

Em primeiro lugar, não há alternativa a não ser para o mundo inteiro cortar drasticamente as emissões de gases de efeito estufa imediatamente. Para evitar que se ultrapasse o limite de 1,5 °C, que aumenta muito o risco de ultrapassar pontos de inflexão tanto para o clima global quanto para a manutenção da floresta amazônica, as emissões globais devem ser reduzidas em 43% até 2030 e em 84% até 2050 segundo os últimos resultados do “stocktake” da Convenção de Clima.

No caso do Brasil, tanto as emissões de combustíveis fósseis quanto o desmatamento devem ser contidos, e o país está, em grande parte, no caminho errado em ambas as áreas. No caso dos combustíveis fósseis, o governo brasileiro está pressionando para abrir novos campos de petróleo e gás no estuário do rio Amazonas, nas águas costeiras do nordeste do Brasil e na floresta amazônica.

Em relação ao desmatamento, embora o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas do país, sob a administração presidencial que assumiu o cargo em janeiro de 2023, tenha uma excelente liderança e esteja fazendo esforços heroicos para reprimir o desmatamento ilegal, o restante do governo está pressionando na direção oposta.

A tarefa necessária de inspecionar e multar aqueles que violam as normas ambientais não é suficiente: é preciso ter coragem política para enfrentar as forças subjacentes ao desmatamento. Não se pode continuar a promover projetos que impulsionam o desmatamento e esperar que o Ministério do Meio Ambiente contenha as consequências. Esses projetos incluem novas estradas que abrem vastas áreas da floresta remanescente na Amazônia para a entrada de desmatadores, sendo a questão mais imediata a proposta de “reconstrução” da Rodovia BR-319, que liga o famoso “arco do desmatamento” no sul da Amazônia à Amazônia central relativamente intacta, com estradas adicionais que abririam as vastas áreas de floresta na parte ocidental da Amazônia brasileira.

Igualmente essencial é acabar com a contínua legalização de reivindicações fundiárias em terras do governo, o que impulsiona uma sequência interminável de invasões de terra e “grilagem” online que é muito facilitada pelo Cadastro Ambiental Rural (CAR) estabelecido pelo Código Florestal brasileiro de 2012. Apesar do discurso sobre o controle do desmatamento, os planos e as políticas atuais levam à direção oposta, tanto para estradas quanto para a legalização de reivindicações de terras.

Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado sob licença Creative Commons. Leia aqui a versão original.