Outubro costuma marcar a transição do verão para o outono no Hemisfério Norte — época de abóboras, folhas caindo e decorações de Halloween na América do Norte. Mas também é o mês em que o Atlântico ainda ferve sob a ameaça dos furacões.
NASA
E, neste ano, o retorno do fenômeno La Niña – anunciado pela NOAA em comunicado na quinta-feira – pode dar um impulso adicional à formação de tempestades tardias, mantendo aceso o risco até o fim oficial da temporada, em 30 de novembro.
A La Niña — fase fria do padrão climático conhecido como Oscilação Sul-El Niño — tende a reduzir a cisalhamento (divergência) de vento sobre o Atlântico tropical, favorecendo o desenvolvimento de ciclones tropicais.
“Com o enfraquecimento dos ventos de oeste em altos níveis, o ar ascendente nas zonas de instabilidade consegue se organizar mais facilmente em torno de centros de baixa pressão”, explica o meteorologista norte-americano Phil Klotzbach, da Universidade Estadual do Colorado, referência mundial em previsões sazonais de furacões.
Esse cenário cria um ambiente mais favorável à formação de tempestades mesmo quando o pico estatístico da temporada — em setembro — já ficou para trás, explica Klotzbach.
Historicamente, conforme a estatística da NOAA, outubro é o terceiro mês mais ativo da temporada de furacões do Atlântico, que começa em 1º de junho e se estende até o fim de novembro.
A força dos furacões de outubro
Embora muitos associem outubro a temperaturas mais amenas, o mês é lembrado por alguns dos furacões mais destrutivos da história. Mitch, Wilma, Sandy e Hazel são apenas alguns exemplos de tempestades que provaram que a temporada ainda pode reservar surpresas letais no seu desfecho.
O furacão Mitch, em 1998, é considerado o mais mortal já registrado em outubro e o segundo mais letal de toda a história do Atlântico. Com ventos de até 290 km/h e pressão mínima de 905 milibares, Mitch estacionou sobre a América Central, provocando enchentes e deslizamentos catastróficos em Honduras, Nicarágua, Guatemala e El Salvador. O saldo foi devastador: quase 20 mil mortos e 2,7 milhões de desabrigados.
Furacão Mitch devastou América Central em 1998 | JOEL ROBINE/AFP/ARQUIVO METSUL
Sete anos depois, outro gigante de outubro deixaria sua marca: o furacão Wilma, de 2005. Formado no Caribe — região que tradicionalmente concentra a formação de ciclones tardios — Wilma teve intensificação explosiva, caindo 88 milibares em 12 horas até atingir 882 milibares, a pressão mais baixa já observada em um furacão do Atlântico.
O sistema devastou Cancún e Cozumel no México e cruzou a Flórida com força de categoria 3, provocando prejuízos superiores a US$ 30 bilhões e o maior apagão da história do estado.
Supertempestade Sandy e outros monstros de fim de temporada
Outro caso emblemático é o da chamada Supertempestade Sandy, que atingiu os Estados Unidos em outubro de 2012. Embora tenha perdido características tropicais ao tocar terra em Nova Jersey, Sandy deixou 159 mortos e US$ 88,5 bilhões em prejuízos, tornando-se um dos desastres naturais mais caros da história americana. A tempestade elevou o nível do mar em Nova York em mais de quatro metros, inundando túneis, ruas e linhas de metrô.
Sandy provocou enchente na região de Nova York com a elevação do nível do mar | MICHAEL BOCCHIERI/GETTY IMAGES NORTH AMERICA/AFP/ARQUIVO METSUL
Mesmo antes da era dos satélites, outubro já registrava tempestades de proporções impressionantes. Em 1954, o furacão Hazel varreu o Caribe e a costa Leste dos Estados Unidos antes de seguir para o Canadá, onde causou a pior enchente da história de Toronto. Hazel matou cerca de 1.200 pessoas e produziu ventos acima de 180 km/h no litoral das Carolinas.
Nos últimos anos, o padrão de atividade intensa no fim da temporada voltou a se repetir. Em outubro de 2018, o furacão Michael atingiu a Flórida como um categoria 5, o primeiro dessa intensidade a surgir no Golfo do México nessa época do ano desde o início das observações por satélite. Os ventos destruíram cidades inteiras na região de Mexico Beach, e o prejuízo superou US$ 31 bilhões.
Mais recentemente, em 2024, o furacão Milton se tornou o mais poderoso a se formar tão tarde no Golfo do México, atingindo categoria 5 antes de tocar terra na Flórida como categoria 3. Com ventos devastadores e tornados associados, Milton deixou 12 mortos e US$ 34 bilhões em perdas, lembrando que outubro ainda pode ser sinônimo de destruição.
O papel da La Niña
Com o retorno da La Niña neste fim de 2025, meteorologistas estão atentos à possibilidade de que o Atlântico mantenha um nível elevado de atividade mesmo após o pico da temporada.
O resfriamento das águas do Pacífico equatorial central, característico do fenômeno, costuma modificar o regime de ventos em grande escala. Isso enfraquece o cisalhamento vertical — que normalmente dificulta as tempestades tropicais — e permite que as perturbações tropicais se organizem e intensifiquem mais facilmente.
AFP
Além disso, a La Niña costuma estar associada a águas mais quentes no Atlântico tropical e no Caribe, combustível essencial para a formação de ciclones potentes. “É como se a atmosfera desse uma sobrevida à temporada, mantendo o motor dos furacões ligado por mais tempo”, resume Klotzbach.
A região do Caribe ocidental e o Golfo do México são, historicamente, os principais berços de tempestades tardias. O calor acumulado nessas águas profundas e as frentes frias que descem do continente criam um contraste propício para o desenvolvimento rápido de sistemas tropicais. Em anos de La Niña, esse risco se amplia.
O que esperar até o fim da temporada
Em média, 20% da atividade tropical do Atlântico ocorre após 8 de outubro, segundo o meteorologista Jeff Masters, do Yale Climate Connections. Isso significa que, embora o auge tenha ficado para trás, há várias semanas críticas pela frente. E a combinação de La Niña com oceano excepcionalmente quente pode prolongar a ameaça até o final de novembro.
A boa notícia é que, por enquanto, massas de ar seco e correntes de vento favoráveis têm mantido os sistemas afastados do continente americano. Ainda assim, os especialistas recomendam cautela.
Com o planeta registrando recordes de temperatura e o Atlântico Norte experimentando calor oceânico sem precedentes, a combinação de La Niña e águas superaquecidas cria um pano de fundo perigoso. Se a história serve de guia, outubro e novembro ainda podem reservar tempestades de impacto e destruição, como Wilma, Mitch e Sandy já demonstraram.
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