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No domingo, 22 de maio de 1960, o Chile entrou para a história mundial dos desastres naturais. Às 15h11, horário local, a terra tremeu com força descomunal por até 14 minutos em algumas regiões, produzindo o mais forte terremoto já registrado pelos instrumentos modernos: 9,5 de magnitude.

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O epicentro do terremoto foi próximo a Lumaco, na Região da Araucanía, cerca de 570 km ao sul de Santiago. A ruptura tectônica rompeu uma falha de mais de mil quilômetros ao longo da costa chilena, da península de Arauco até Puerto Aysén, liberando uma energia equivalente a 20 mil bombas de Hiroshima.

Valdivia foi a cidade mais afetada. Cerca de 40% de suas construções foram destruídas. Ruas foram tomadas pelas águas do rio Calle-Calle, que transbordou com lama, casas e escombros. O fornecimento de água e eletricidade foi interrompido, enquanto a cidade afundava até 2,7 metros em alguns bairros.

O terremoto gerou um tsunami devastador. Ondas de até 25 metros atingiram localidades costeiras do Chile, como Puerto Saavedra e Corral, e cruzaram o Pacífico. Quinze horas depois, o Havaí era atingido por ondas de 10 metros que mataram 61 pessoas. No Japão, 22 horas após o tremor, 138 pessoas perderam a vida.

A erupção do vulcão Puyehue, dois dias após o abalo, acrescentou um novo capítulo à tragédia. Cinzas e vapores foram lançados a 6 mil metros de altura, enquanto outros vulcões próximos também mostravam sinais de atividade, embora mal registrados devido à precariedade das comunicações na época.

Uma sequência sísmica sem precedentes

O terremoto de Valdivia não foi um evento isolado. Ele foi precedido por uma série de tremores fortes desde o dia 21 de maio, quando Concepción foi atingida por um abalo de magnitude 8,1. Talcahuano teve 60% das construções destruídas, e em Concepción, cerca de um terço dos edifícios colapsaram.

No total, mais de trinta sismos foram registrados entre os dias 21 de maio e 6 de junho, incluindo um novo tremor em Aysén (7,8) no dia 6 de junho e outro em Taltal (7,3) em dezembro. A sequência sísmica chilena de 1960 é uma das mais intensas já documentadas.

A extensão da ruptura e a quantidade de energia liberada fizeram com que o planeta inteiro vibrasse. Instrumentos científicos registraram oscilações globais por vários dias, e a rotação da Terra chegou a ser ligeiramente alterada, reduzindo a duração dos dias em milissegundos.

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As placas tectônicas de Nazca e Sul-Americana foram as protagonistas desse evento geológico. Na zona de subducção onde uma se sobrepõe à outra, a tensão acumulada por séculos foi liberada abruptamente, causando o megaterremoto. Essa descoberta foi fundamental para o avanço da teoria da tectônica de placas.

Além de tsunamis, o terremoto gerou uma série de deslizamentos nos Andes. No entorno do rio Golgol, barreiras naturais formadas por terra e lama interromperam cursos d’água e causaram enchentes que destruíram pontes, estradas e comunidades inteiras.

A ameaça de uma catástrofe maior: o Riñihuazo

Um dos episódios mais dramáticos do pós-terremoto foi o bloqueio do Lago Riñihue. Três deslizamentos bloquearam a saída natural do lago para o rio San Pedro, que deságua em Valdivia. O nível da água subia rapidamente e ameaçava romper a barreira de lama, o que poderia varrer o que restava da cidade.

Estima-se que, se a barreira cedesse de forma repentina, mais de 3 bilhões de metros cúbicos de água atingiriam Valdivia e outras cidades em até cinco horas. Cerca de 100 mil pessoas estavam na zona de risco.

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AFP

Uma operação heroica foi mobilizada. Mais de 400 operários e engenheiros trabalharam com pás e tratores para escavar canais de drenagem. O trabalho durou mais de um mês sob vigilância do país inteiro. No dia 24 de julho, a ameaça foi controlada. O episódio ficou conhecido como “El Riñihuazo”.

A destruição foi imensa. Em Los Ángeles, 60% das edificações colapsaram. Em Angol, 82% dos prédios foram danificados. Em Chillán, 20% das construções ruíram. O porto de Talcahuano perdeu 65% de suas moradias. Ancud, em Chiloé, viu bairros inteiros afundarem no mar.

A reconstrução foi lenta e exigiu grandes recursos do governo chileno. O presidente Jorge Alessandri precisou realocar fundos do orçamento federal, prejudicando programas de ajuste fiscal em andamento. A realização da Copa do Mundo de 1962 chegou a ser colocada em dúvida.

Um impacto global e duradouro

Fora do Chile, os efeitos foram igualmente dramáticos. No Japão, o tsunami atingiu a costa de Honshu e matou 138 pessoas, além de destruir 1.600 casas. Nas Filipinas, 32 mortes foram registradas. Em Hilo, no Havaí, o centro da cidade foi devastado.

Navios naufragaram em várias partes do Pacífico. No Chile, embarcações como o “Canelos” e o “Santiago” foram destruídas. O “Canelos” chegou a ser arrastado por mais de 1,5 km para o interior de Valdivia, e seus destroços ainda eram visíveis décadas depois.

O fenômeno também gerou seiches — ondas estacionárias em lagos. No Lago Panguipulli, uma seicha superior a 1 metro foi registrada. Em Bariloche, na Argentina, uma onda semelhante destruiu um píer no lago Nahuel Huapi e causou duas mortes.

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O terremoto modificou profundamente a geografia do Chile. Em alguns pontos o solo afundou, em outros subiu. A Ilha Guamblin foi elevada em 5,6 metros. Estuários e cursos d’água foram alterados permanentemente, criando novas zonas úmidas que passaram a abrigar aves e vegetação até então ausentes.

A tragédia também levou ao desenvolvimento de sistemas de alerta. Em 1965, foi criado o Sistema de Alerta de Tsunamis do Pacífico, fundamental até hoje para prevenir novas catástrofes em países costeiros.

O legado sísmico de Valdivia

O Grande Terremoto do Chile também marcou um ponto de virada na ciência. Foi a primeira vez que um evento dessa magnitude foi registrado com precisão por equipamentos modernos, permitindo aos geólogos entender melhor a dinâmica das zonas de subducção.

O evento ofereceu evidências-chave para a confirmação da teoria da tectônica de placas, até então emergente. Também permitiu avanços significativos na compreensão das oscilações sísmicas do planeta e de como as ondas sísmicas se propagam.

STR/AFP

Com base em análises de sedimentos e registros históricos, os cientistas hoje sabem que terremotos gigantescos em zonas de subducção como a do Chile podem se repetir em intervalos de 250 a 300 anos.

Sessenta anos depois, o terremoto de Valdivia segue como o mais forte já medido. Ele mudou não apenas a paisagem do sul chileno, mas também a forma como o mundo estuda, entende e se prepara para desastres naturais. Um lembrete permanente de que, sob nossos pés, a Terra nunca para de se mover.

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