Vestígio de um passado distante ou ameaça extraterrestre? O cometa 3I/ATLAS, que atravessa atualmente nosso sistema solar em alta velocidade, fascina os cientistas e cativa as redes sociais — até mesmo Kim Kardashian, que quer enxergar nele uma nave extraterrestre.

NASA/LOWELL OBSERVATORY/QICHENG ZHANG
Da superstar a uma deputada do Congresso dos Estados Unidos, passando por figuras proeminentes, várias vozes questionam se não se trata de uma cometa natural, masde uma nave alienígena.
Embora desmentida pela Nasa, que divulgou ontem novas imagens do objeto, essa teoria — alimentada por um pesquisador da renomada Universidade Harvard e por imagens falsas geradas por inteligência artificial — rapidamente ganhou popularidade.
“É incrível ver até que ponto as pessoas se envolveram nesse debate”, sorri Thomas Puzia, astrofísico que dirige o observatório chileno que detectou 3I/ATLAS.
Mas “é muito perigoso e, de certa forma, enganoso colocar essas especulações à frente do processo científico”, alerta ele à AFP, em uma crítica velada ao colega que vem repetindo há semanas que não se pode descartar a hipótese extraterrestre.
“Todos os fatos, sem exceção, indicam que se trata de um objeto normal proveniente do espaço interestelar. Isso o torna muito excepcional, claro, mas não há nada que não possamos explicar pela física e pela astrophísica”, rebate Puzia.
Cometa 3I/ATLAS causou alvoroço na internet
Desde sua detecção em julho, esse objeto — apenas o terceiro interestelar, ou seja, de fora do nosso sistema solar, já identificado — não para de provocar alvoroço.
O caso lembra o debate que agitou a comunidade científica em 2017, quando outro misterioso corpo interestelar, Oumuamua, passou pelo sistema solar.
Na época, Avi Loeb, professor de Harvard, já havia defendido a hipótese de uma nave extraterrestre — tese controversa que depois sustentou em um livro. Insistindo novamente na existência de “anomalias”, ele acusa seus pares de falta de abertura de espírito.
“É claro que pode ser natural (…) mas precisamos considerar a possibilidade de ser tecnológico, porque, se for esse o caso, as implicações para a humanidade serão enormes”, afirma ele à AFP.
“Desejamos muito encontrar sinais de vida no universo (…) mas 3I/ATLAS é um cometa”, respondeu Amit Kshatriya, alto funcionário da NASA, em entrevista coletiva nesta quarta-feira. “Ele se parece e se comporta como um cometa.”
Apesar dos desmentidos, a teoria continua ganhando força, para frustração de quem estuda o objeto.
Esse cometa oferece um “vislumbre sem precedentes de um sistema extrassolar possivelmente bilhões de anos mais antigo que o nosso próprio sistema solar (…) e tudo isso está sendo completamente ofuscado por esse debate sobre OVNIs”, lamenta Thomas Puzia.
Porque, se há um ponto em que todos concordam, é que ATLAS não tem nada de comum. O cometa guarda muitos mistérios — especialmente sobre sua origem e composição exata — que os cientistas esperam desvendar com observações nas próximas semanas, quando ele se aproximar da Terra.
Esse pequeno corpo sólido, composto de rocha e gelo e vindo dos confins do espaço, pode ajudar a compreender melhor como “os planetas podem se formar” ou “como a vida pode aparecer ao redor de outras estrelas na Via Láctea, em diferentes épocas da galáxia”, destaca o pesquisador.
“É uma janela para um passado remoto, tão remoto” que pode até preceder “a formação da Terra e do nosso Sol”, acrescenta Tom Statler, cientista da NASA, dizendo sentir “arrepios”.
Ao contrário dos dois primeiros objetos interestelares detectados no passado e que só puderam ser estudados brevemente, os astrônomos tiveram desta vez meses para observar 3I/ATLAS. E esperam que isso seja apenas o começo, graças à melhoria crescente dos instrumentos de observação e detecção.
NASA mobiliza recursos para observar cometa misterioso
A NASA conduz uma campanha inédita de observação em todo o Sistema Solar para acompanhar o cometa interestelar 3I/ATLAS, o terceiro objeto vindo de outro sistema estelar a cruzar nossa vizinhança.
Desde sua descoberta em 1º de julho pelo telescópio ATLAS, no Chile, 12 ativos da agência já registraram imagens do objeto, e outros ainda o observarão ao longo de sua trajetória. O objetivo é comparar suas propriedades com as de cometas formados no Sistema Solar e obter pistas sobre a composição de sistemas planetários distantes.
As observações mais próximas vieram de Marte. No início do outono boreal, o cometa passou a cerca de 31 milhões de quilômetros do planeta, sendo registrado pela espaçonave MRO, pela sonda MAVEN e pelo rover Perseverance. A MRO obteve uma das imagens mais detalhadas, enquanto a MAVEN capturou dados em ultravioleta que ajudarão a identificar elementos e moléculas do cometa.
Missões de heliosfísica também foram fundamentais. Como conseguem observar regiões próximas ao Sol — onde telescópios terrestres não podem atuar devido ao brilho solar — satélites como STEREO, SOHO e a missão PUNCH monitoraram o cometa entre setembro e outubro, quando ele passou atrás do Sol na perspectiva terrestre. É a primeira vez que essas missões solares observam intencionalmente um objeto interestelar.
Exploradores de asteroides também contribuíram. A sonda Psyche, atualmente a caminho de seu asteroide-alvo, registrou o cometa a cerca de 53 milhões de quilômetros. Já a sonda Lucy, em trajetória rumo ao cinturão de asteroides e aos Troianos de Júpiter, o observou de uma distância aproximada de 386 milhões de quilômetros. Esses dados permitirão refinar a órbita do cometa e analisar detalhes de sua coma e cauda. Além das sondas, telescópios como o Hubble, o James Webb e o SPHEREx registraram imagens em julho e agosto
O ponto de maior aproximação da Terra ocorrerá em 19 de dezembro, quando o cometa estará a cerca de 273 milhões de quilômetros. A NASA seguirá monitorando sua passagem até ele cruzar a órbita de Júpiter na primavera de 2026.
