Eugenio Hackbart em sala de aula no Colégio Sinodal

O ano era 1978. O momento, uma aula de ciências físicas e biológicas da primeira série do segundo grau. O lugar, o Colégio Sinodal, em São Leopoldo. À frente da turma de alunos, o professor, biólogo e meteorologista Eugenio Jaeckel Hackbart. A idéia, aprofundar o conhecimento sobre a atmosfera.

Naquele instante surgia o projeto que daria lugar à Rede de Estações de Climatologia Urbana de São Leopoldo, um sonho antigo do Professor Eugenio Hackbart e que começava a tomar forma. Que anos mais tarde se transformaria na MetSul Meteorologia.

A primeira iniciativa foi a instalação de um abrigo meteorológico no pátio, exatamente nos fundos da escola. Em 1983, a idéia evoluiu e a Associação dos Ex-Alunos do Colégio Sinodal criou o Departamento de Meteorologia e lançou o projeto de se instalar uma estação de observação meteorológica mais completa e que tivesse utilidade para toda a população de São Leopoldo.


Foi então que em 1985, contando com o discernimento e o apoio do governo municipal, se estabeleceu um convênio entre a Associação e a Prefeitura de São Leopoldo, nascendo, de forma pioneira no Brasil, o primeiro serviço de Meteorologia municipal, através da Lei Municipal 3.006 de 23 de dezembro de 1985. Imediatamente foi instalada a estação de observação meteorológica de São Leopoldo, numa ampla e privilegiada área no município.

Abertura da estação meteorológica do Morro do Espelho em São Leopoldo

O leopoldense e ex-aluno do Sinodal, Mj. Brig. do Ar João Felippe Brack, então comandante do Quinto Comando Aéreo Regional – V COMAR, abraçou a iniciativa, com o apoio decisivo do serviço de meteorologia do Ministério da Aeronáutica. Com a participação do meteorologista Ten. Cel. José Soares Lima (in memoriam), a estação de observação meteorológica, que hoje leva o seu nome, foi estruturada, aperfeiçoada e ampliada. Em 2000, a equipe original da Rede de Climatologia Urbana de São Leopoldo inaugurava a Casa do Tempo junto à estação com equipamentos meteorológicos, sala de leitura e biblioteca com obras de ciência e Meteorologia.

Inauguração da Casa do Tempo em São Leopoldo em 23 de março de 2000. Na foto, a formação original da equipe nos anos 90 (da esquerda para a direita Alexandre Aguiar, José Soares Lima, Ernesto Wendt, Eugenio Hackbart, Marcos Schneider e Marcelo Schneider)

O que era uma estação apenas se transformou em uma rede de monitoramento com a instalação de diversas estações meteorológicas padronizadas, conforme o regulamento da Organização Meteorológica Mundial (OMM). Logo, as condições do tempo passariam a ser observadas pela Climatologia Urbana em cidades como São Francisco de Paula, São José dos Ausentes, Ivoti, Igrejinha, Sapucaia do Sul, Morro Redondo e outras mais.


O público do Rio Grande do Sul teve então acesso a dados até aquele momento indisponíveis e, assim, passou a melhor conhecer o clima do seu estado. Uma estação chegou a ser instalada no pico do Monte Negro, no ponto mais alto do Rio Grande do Sul, em São José dos Ausentes. Para chegar ao cume do Estado, o Professor Eugenio Hackbart montou em um cavalo com seus termômetros e medidores.

Eugenio Hackbart montou a cavalo para instalar a estação meteorológica no ponto mais alto do Rio Grande do Sul

Em 2006, os meteorologistas da Climatologia Urbana fundaram a empresa MetSul Meteorologia Ltda, mas o trabalho da então Rede de Estações de Climatologia Urbana de São Leopoldo prossegue no âmbito da educação e da pesquisa com o apoio do parceiro de primeira hora, o Colégio Sinodal.


Eugenio Hackbart recebe em São Leopoldo o fundador do Weather Channel dos Estados Unidos Joseph D’Aleo em 2010

Eugenio Hackbart era um apaixonado pela Educação e o ensino. Dedicou quase toda a sua vida ao ensino e à pesquisa. Criou e chefiou a Unidade de Climatologia da Ulbra (Universidade Luterana do Brasil). Idealizou e promoveu, em parceria com a Prefeitura Municipal de São Leopoldo, um projeto comunitário com o objetivo de estimular o aprendizado sobre a atmosfera chamado Meteorologia na Escola.

O projeto treinou os professores da rede pública que por mais de uma década levaram aos alunos de São Leopoldo noções básicas de Meteorologia no colégio. Para o meteorologista Eugenio Hackbart, idealizador do Projeto Meteorologia na Escola, a ideia obstinada era criar uma cultura meteorológica na população. “Os jovens são o futuro da nação e não devemos poupar investimentos na qualificação da nossa juventude”, comentava.

Eugenio Hackbart recebia com frequência turmas escolares na estação de São Leopoldo

Um dos jovens que teve a vida mudada pelo Professor Eugenio Hackbart foi Marcelo Schneider. Aluno das suas aulas no Colégio Sinonal, Marcelo apaixonou-se pela ciência meteorológica e instalou na sua casa em Lomba Grande, Novo Hamburgo, uma estação meteorológica juntamente com o seu irmão Marcos que ainda criança já escrevia cartas sinóticas e anotava os dados do tempo em um caderno. Marcelo depois viria a estudar Meteorologia na Universidade Federal de Pelotas e ser mestre em Meteorologia pela Universidade de São Paulo (USP). Hoje, é chefe da seção de previsão do tempo do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) em São Paulo.

Eugenio Hackbart foi secretário municipal do Meio Ambiente em São Leopoldo entre 1993 e 1996 e uma de suas grandes preocupações era com a deterioração do Rio dos Sinos pela poluição. Foi assim que envolveu a MetSul nos esforços de preservação do Rio dos Sinos com ações do Instituto Martim Pescador e da Secretaria Municipal do Meio Ambiente de São Leopoldo. A bordo do barco antigo Instituto Martim Pescador chegou a funcionar uma estação meteorológica montada pela então Rede de Estações de Climatologia Urbana de São Leopoldo.

Mais conhecido como “Professor Eugenio” ou “Seu Eugenio” para pessoas próximas, mas seu nome completo é Eugenio Jaeckel Hackbart, tornou-se a principal referência de credibilidade na Meteorologia do Rio Grande do Sul. A sua história foi marcada pelo idealismo, a paixão pelas ciências naturais e o encantamento com a atmosfera.

Desde os 8 anos de idade, em 1945, antes mesmo de ser criada a OMM (Organização Mundial de Meteorologia), em 1950,  o meteorologista Eugenio Hackbart praticava a observação meteorológica, a  vivência do clima e do tempo no Rio Grande do Sul.

Dizia-se fascinado pelo vento quando criança. Formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Unisinos nos cursos de História Natural e Biologia,  obteve pelo Ministério da Aeronáutica a sua habilitação como meteorologista, sendo credenciado pelo CREA-RS ainda em 1983. Era fascinado por ciências naturais e tinha predileção por Astronomia.

Anotações da influência do grande eclipse solar de 1994 nas condições do tempo em São Leopoldo

Eugenio Hackbart foi o idealizador, fundador e atuou como Diretor-Geral da MetSul Meteorologia, empresa que surgiu a partir de vinte anos de trabalho da Rede de Estações de Climatologia Urbana de São Leopoldo. Os gaúchos se acostumaram com os seus boletins diários na Rádio Guaíba, na antiga Feluspe (Pop Rock) e em dezenas de emissoras de rádio do interior gaúcho como Caxias, Imperial, ABC, Repórter de Ijuí, São Miguel de Uruguaiana, etc.

Luiz Carlos Reche e Eugenio Hackbart em 2017

YUm dos momentos preferidos do dia era a conversa de segunda à sexta com o apresentador Flávio Alcaraz Gomes e no fim da tarde com o jornalista Luiz Carlos Reche, de quem se tornou fiel amigo e vizinho em São Leopoldo, pelas ondas da Rádio Guaíba.

Professor Eugenio mantinha no escritório um mapa com as rádios em que fazia ou fez previsão do tempo

Seus boletins eram os mais completos do tempo no rádio com as condições de todo o Cone Sul, do interior, dados históricos e a explicação dos fenômenos com uma linguagem simples, acessível e didática, típicas de alguém forjado em sala de aula.

O Professor Eugenio foi por muitos anos ainda colunista do jornal ABC do Grupo Sinos, onde foi responsável pela previsão do tempo nos jornais desde a década de 90. Manteve ainda um blog na internet com informações do tempo e do clima que contribuiu para despertar o interesse pela Meteorologia a ponto de um dos seus mais fieis leitores, o então estudante de segundo grau Gustavo Verardo, de Santa Maria, ter cursado Meteorologia na UFSM e hoje ser meteorologista profissional.

Um dos maiores orgulhos do Professsor Eugenio era o trabalho que fez de previsão do tempo para atividades esportivas ou de lazer como campeonatos de surfe.  Assessorou com a instalação de estações meteorológicas móveis no locais dos eventos campeonatos brasileiros e etapas internacionais de surfe profissional em São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Atuou ainda nos festivais de balonismo em Torres, Curitiba e São Leopoldo. Participou, ademais, de etapas internacionais de natação realizadas na Lagoa dos Patos, em Tapes.

Monitoramento meteorológico em campeonatos de surfe em Santa Catarina que chegou a ter anotação de neve nas montanhas

Como associado da Sociedade Brasileira de Meteorologia participou de diversos simpósios e seminários nacionais e internacionais sobre Meteorologia. Foi sócio honorário da Associação dos Engenheiros e Arquitetos do Vale do Rio dos Sinos, criou, estruturou e coordenou durante seis anos a Comissão de  Meteorologia do COMITESINOS e atuou em projetos para revitalizar o Rio dos Sinos. Pelo seu trabalho e dedicação ao serviço público, Eugenio Hackbart foi agraciado com a medalha da Defesa Civil do Estado do Rio Grande do Sul, condecoração que recebeu também do Município de Porto Alegre.

O público conheceu o Professor Eugenio do rádio, do jornal e da internet, mas a mesma pessoa da imprensa era a da vida pessoal. Sempre solícito, cordial, amistoso e disposto a ajudar. Apesar de nascido em Morro Redondo, no Sul gaúcho, cidade que tinha adoração, estabeleceu-se em São Leopoldo e criou profundos laços na comunidade. Foi agraciado com o título de cidadão leopoldense na Câmara de Vereadores, por iniciativa do falecido vereador Henrique Prieto.

Eugenio vivia para a família e o trabalho. Torcedor do Grêmio, apaixonado por viver, tinha orgulho de São Leopoldo, a cidade que adotou como lar. Manteve-se em atividade até após os 80 anos. Mesmo fora dos microfones ou da rotina diária de previsão do tempo da MetSul, jamais deixou de contribuir com estatísticas históricas e informações relevantes de fenômenos meteorológicos incomuns ou extremos. Quando algo não estava certo, não hesitava em aconselhar. Quando algo saía muito certo, o seu elogio era uma certeza.

Foi quem trouxe de São Paulo em 2003 o meteorologista Luiz Fernando Nachtigall e avalizou em 2012 a vinda da meteorologista Estael Sias do Grupo RBS para a MetSul. Na chegada de Estael, organizou uma festa na churrascaria Schneider em São Leopoldo com flores e homenagens para a nova integrante da equipe.

Anelori Hackbart e Estael Sias em 2012

Estael Sias e Eugenio Hackbart na estação meteorológica de São Leopoldo

Estael Sias, Eugenio Hackbart e Luiz Fernando Nachtigall

Meses atrás, internado no hospital em Novo Hamburgo, após sobreviver a uma parada cardíaca, mesmo no leito não deixava de prever o tempo apenas olhando as nuvens pela janela. “Vai chover às 18h15 sentenciou. E às 18h20 começou a chover. Médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem a todo momento relatavam a previsão do tempo recebida horas antes do meteorologista internado.

Natal de 2018

Eugenio colecionou muitos amigos ao longo da sua vida, um dos maiores o companheiro e meteorologista José Soares Lima, falecido em Manaus em fevereiro de 2017. No mesmo ano, o Professor Eugenio Hackbart comemorou o seu aniversário de 80 anos em uma festa em Dois Irmãos para mais de duzentas pessoas que reuniu amigos, colegas e familiares vindos de todo ao país e do exterior. Foi uma grande celebração da vida de Eugenio Hackbart com homenagens no telão, pronunciamentos e ao final uma festa ao estilo de Pomerode.

Eugenio Hackbart, esposa, filhos e netos em seu 80° aniversário

Eugenio Hackbart faleceu hoje vítima de um câncer que enfrentava por muitos anos e deixa a esposa Anelori, os filhos Ricardo, Fernando e Mônica, netos e muitos amigos. Foi ao encontro do céu que dedicou sua vida a enxergar e prever. Vai deixar muita saudade, mas seu legado segue vivo e sua contribuição para a Meteorologia gaúcha será por sempre lembrada. Entra para a história da Meteorologia do Rio Grande do Sul ao lado de nomes como Coussirat de Araújo e Floriano Peixoto Machado que inovaram e ajudaram o Estado a entender o seu clima em suas eras.