Os moradores da capital argentina e da Grande Buenos Aires acordaram chocados na manhã de quinta-feira (5) com as cenas de destruição após o temporal do começo da noite de quarta-feira (4) que trouxe vento destrutivo, chuva intensa e queda de granizo. Foram 17 mortes na região. Cinco pessoas morreram na cidade de Buenos Aires, outras onze na área metropolitana e mais uma na província de Santa Fé. A tempestade foi uma das piores da história da capital portenha e provocou devastação em algumas áreas da Grande Buenos Aires.



 
O vento derrubou mais de 500 árvores na capital argentina. Os danos mais graves, porém, se concentraram no Sul e no Oeste da Grande Buenos Aires. Cabines de pedágio foram arrancadas pelo vento. Em Morón, piscina de fibra voou a três quadras de distância. Mulher foi arremessada a cinqüenta metros de sua casa. Antenas tombaram. Torres de energia de concreto racharam ao meio como se fossem palitos. Carros foram esmagados por árvores e postes, alguns prédios sofreram desabamentos e até um estádio de futebol foi arrasado. Janelas de edifícios foram arrancadas e postos de combustíveis vieram abaixo. Moradores relataram que seus prédios balançaram no bairro de Once, na capital argentina.

As rajadas máximas de vento registradas por estações meteorológicas foram de 98 km/h no Aeroporto Internacional de Ezeiza, 105,5 km/h no Aeroparque Jorge Newberry, 111 km/h em Mataderos e 113 km/h em Palomar. O vento teve um forte impacto no mundo esportivo da área da capital argentina com destruição de ginásios e muitos danos em vários estádios como queda de refletores de iluminação, paredes e alambrados. Uma das cenas mais impressionantes veio do conhecido estádio Nuevo Gasometro, do San Lorenzo de Almagro, onde a força do vento arrancou segmento todo da arquibancada de concreto. Os estádios do Banfield e do Club Deportivo Moron também tiveram graves danos.

Tornados produzem danos severos, mas numa área mais delimitada. Não se pode afastar que tenham ocorridos tornados na região de Buenos Aires, e a Meteorologia da Argentina promete fazer investigação de campo, contudo os estragos foram graves a severos numa área incrivelmente ampla e com magnitude semelhante em várias localidades da Grande Buenos Aires. Os municípios mais atingidos foram Moron, Merlo (vídeo) e Moreno. Em Moron, o vento no aeródromo local chegou a virar aviões e jogar pequenas aeronaves contra as árvores.

As cenas de destruição foram assustadoras. Imagens aéreas feitas durante sobrevoo (vídeo) na manhã de quinta pelo governador de Buenos Aires mostraram uma destruição quase total em partes da localidade de Moreno. As cenas vistas do ar em Moreno muito  se assemelhavam àquelas que estamos acostumados a testemunhar nos Estados Unidos após intensos tornados. Muitas casas desapareceram em Moreno. 

Como é comum, em qualquer lugar do mundo numa zona de desastre, o colapso dos serviços públicos cria insegurança e não raro gera violência. A presidente da Argentina Cristina Kirchner ordenou ao Exército que deslocasse tropas para as áreas mais atingidas. Moradores de vários bairros da área metropolitana saíram às ruas para protestar. Houve diversos bloqueios de ruas e rodovias. Em Merlo, os manifestantes foram duramente reprimidos com gás e tiros de balas de borracha pela forças policiais. A companhia de energia Edesur informou que mais de seis mil postes caíram com o vento. Pelas redes sociais foram denunciados saques de estabelecimentos comerciais.

O temporal em Buenos Aires, sob uma perspectiva histórica, foi um dos piores até hoje na região da capital argentina. Em 1973 há relatos de duas tempestades violentas com desabamentos e mortes na província de Buenos Aires (vídeo). Em 31 de maio de 1985, a cidade de Buenos Aires teve em 25 horas um volume de chuva de 308,5 mm, o que provocou uma morte e o colapso de serviços públicos. Em 15 de abril de 1990, temporal com quase seis horas de chuva intensa e 117 mm inundou a cidade. Houve sete mortes. Em fevereiro de 1993 (reprodução abaixo do Jornal do Brasil da época) houve um violento episódio de Sudestada que provocou uma dezena de mortes e graves danos na capital argentina e sua área metropolitana.

O que ocorreu ? A Meteorologia argentina havia alertado horas antes para tempestades severas e que poderiam trazer vento intenso, mas ninguém poderia imaginar fenômeno tão extremo. O que houve foi o avanço de frente fria de deslocamento bastante rápido que encontrou ar quente sobre a região e uma atmosfera muito instável e propícia à formação de nuvens carregadíssimas. A sondagem da manhã de quarta-feira (4) de Ezeiza indicava já uma atmosfera extremamente instável com índices de instabilidade muito altos e, desta forma, propícios a tempestades severas.

A frente fria se intensificou rapidamente no Norte da província de Buenos Aires e no Rio da Prata com um alinhamento de supercélulas. O radar meteorológico de Ezeiza mostrou formação com eco em forma de arco, em inglês chamada ‘bow echo’, e que é capaz de produzir eventos extremos de vento. A imagem abaixo mostra o radar de Ezeiza das 21h de quarta e ao lado exemplo de formação de ‘bow echo’ nos Estados Unidos vista em imagem de radar em visualização 3D.

Meteorologistas argentinos discutem até agora se Buenos Aires foi atingida por episódio de derecho, nome dado a fenômeno que é comum na América do Norte e mais raro aqui na América do Sul. Em um derecho, linha de tempestades com grande extensão avança com vento intenso e destrutivo por longa distância, produzindo muito estragos por onde passa devido ao vento intenso. A frente fria responsável pelo temporal violento na noite de quarta em Buenos Aires avançou aqui para o Rio Grande do Sul, onde também produziu vendavais.

Aqui no Rio Grande do Sul, pelo menos quinze estações meteorológicas registraram na quinta-feira (5) rajadas de vento acima de 80 km/h. As rajadas mais intensas ocorreram no Aeroporto Rubem Berta de Uruguaiana com 107 km/h, Aeroporto de Horizontina com 101 km/h e ainda na barra do Porto de Rio Grande, onde o vento atingiu exatos 100 km/h (fotos de Alexsandro Johan em Santa Rosa, Eduardo Straliotto em Porto Alegre, Studio Carli em Crissiumal e Portal Gaz em Santa Cruz do Sul).

As conseqüências do vento aqui no Rio Grande do Sul não foram tão graves como as registradas na cidade de Buenos Aires e região, mas houve queda de árvores, postes e destelhamentos de casas e prédios em Livramento, São Borja, Santo Ângelo, Sobradinho, Cachoeira do Sul, dentre outras cidades gaúchas. Cem mil consumidores ficaram sem luz no Estado. (Com imagens e reproduções do Club Deportivo Moron, Mundo Chicago, da emissora TN, Facebook, Intendencia de Moreno e jornais El Dia, Clarin e La Nación)