Do que adianta uma cidade possuir o melhor Corpo de Bombeiros do mundo se prédios não possuem planos de prevenção de incêndios, portas corta-fogo, extintores, saídas de emergência, sprinklers, hidrantes e o estado das edificações for precário com fiação em péssimo estado e a presença de muito material combustível? Obviamente, tragédias por fogo vão se suceder.
Um exemplo claro é Bangladesh. Grandes incêndios são tragédias recorrentes no país da Ásia, especialmente em áreas muito povoadas, onde a precariedade da infraestrutura e a falta de fiscalização das normas de segurança agravam o risco. Centenas morreram nos últimos anos em incêndios que costumam atingir mercados movimentados e fábricas de têxteis superlotadas. Segundo o governo, Daca que é uma das cidades mais densamente povoadas do mundo, registra cerca de cinco ocorrências de fogo por dia.
Quando o assunto é tornado e desastres por vento, a lógica é a mesma. Sem um sistema impecável de prevenção, que não inclui apenas a previsão meteorológica, não há como se impedir desastres como o ocorrido pelos devastadores tornados no Paraná na sexta-feira.
Durante todo o fim de semana, meios de comunicação publicaram reportagens em que focaram a prevenção do desastre do Paraná na previsão meteorológica, destacando que não o Brasil não tem condições de prever tornados. “Por que o Brasil não conseguiu (e nem deve conseguir) prever novos tornados”, escreveu o jornalista Carlos Madeiro no portal UOL. “Nem especialistas em previsão meteorológica conseguem prever tornados no Brasil”, estampou em manchete o site Mídia Max.
Tornados são, sim, um fenômeno de difícil previsão e nem todos serão antecipados nem no Brasil e tampouco em países de Meteorologia mais avançada, porém é falso que a Meteorologia brasileira é incapaz de prognosticá-los. A onda de tornados da sexta-feira que atingiu o Nordeste da Argentina, Paraguai, Santa Catarina e o Paraná foi antecipada pelos meteorologistas já desde a véspera.
Na quinta-feira, véspera dos tornados, a MetSul Meteorologia publicou alerta em que antecipava o risco de ocorrência do fenômeno com o seguinte título: “Sistema linear de tempestades trará risco de tornados e microexplosões”. No texto, destacava “tornados tendem a ser de curta duração” e “podem provocar destruição significativa”. O alerta mencionava explicitamente o Oeste de Santa Catarina e o Paraná como regiões de maior risco.
Na sexta-feira, ao meio-dia, horas antes dos tornado, a MetSul Meteorologia reiterou o alerta, advertindo novamente para o risco de tornados. Simultaneamente, o grupo de meteorologistas dedicado a tempo severo em projeto chamado PREVOTS emitia igual advertência em que sublinhava “elevado risco de tornados” e “possível ocorrência de um ou dois tornados significativos”, o que se confirmou com um tornado EF-4 em Rio Bonito do Iguaçu e um EF-3 entre Turvo e Guarapuava, ambos no Paraná.
A previsão e alerta de um tornado possuem dois momentos: a identificação de risco de tornado para uma área mais ampla e o alerta de tornado para locais específicos. Por isso, nos Estados Unidos existem duas advertências, que contemplam estes dois momentos de previsão.
Um “tornado watch” é emitido para uma área ampla quando se observa que as condições atmosféricas são favoráveis para a formação de tornados. Trata-se de alerta para ficar atento e preparado caso a situação piore. Já um “tornado warning” indica que um tornado foi avistado no solo ou detectado pelo radar, e as pessoas na área afetada devem procurar abrigo de imediato. Ou seja, watch significa “esteja pronto”, enquanto warning quer dizer “proteja-se agora”.

Tornado devastou Rio Bonito do Iguaçu | ROBERTO DZIURA JR/AEN
Mesmo nos Estados Unidos, o sistema de alerta não é perfeito para o primeiro momento que é o de identificação de risco de que ocorra um tornado numa determinada região ampla. Estudo que analisou a precisão dos chamados tornado watches entre 2007 e 2015 mostrou que 58,80% dos avisos tiveram pelo menos um tornado dentro da área de vigilância, enquanto 27,43% registraram pelo menos um tornado fora da área sob aviso. Dos 10.840 tornados analisados, 56,70% ocorreram dentro de um tornado watch, 9,69% fora de um tornado watch, e 33,62% (um terço) aconteceram quando não havia nenhum tornado watch em vigor do Serviço Nacional de Meteorologia.
No Brasil, onde a Meteorologia conta com ferramentas de supercomputação com dados que permitem a identificação em alguns casos o risco de tornados (o primeiro momento ou watch), a carência está no segundo momento que é o alerta (warning) de curtíssimo prazo que informa um tornado já formado e quais áreas devem ser atingidas.
Os Estados Unidos possuem um Centro Nacional de Tempestades, o Storm Prediction Center, focado em tempestades severas. Brasil não possui centro semelhante. O Serviço Nacional de Meteorologia dos Estados Unidos (NWS) conta com 122 escritórios de previsão do tempo (WFOs) com equipes de plantão 24 horas por dia, 7 dias por semana para emitir avisos e alertas de tornados, dentre outros fenômenos. No Brasil, o órgão oficial (Instituto Nacional de Meteorologia) tem uma estrutura pequena com poucos escritórios locais, com baixo número de meteorologistas e que trabalham em expediente comercial.
Além disso, os Estados Unidos contam com uma robusta redes de radares meteorológicos, e mesmo assim considerada insuficiente por meteorologistas norte-americanos, com tecnologias de softwares capazes de detectar assinaturas de vórtices de tornados e oferecer visões tridimensionais das imagens, o que o Brasil não possui. Mesmo assim, o tempo médio de alerta para a população de que um tornado atingirá determinada localidade é de apenas 5 a 15 minutos antes.
E se existisse uma rede de aparelhos idêntica a dos Estados Unidos, ao custo de muitos bilhões de reais que apenas o Poder Público tem condições de fazer o investimento? As populações das áreas afetadas em Santa Catarina e o Paraná teriam sido avisadas de que um tornado estava a minutos de atingir as suas cidades? A resposta é um rotundo não e que é o maior gargalo na cadeia de prevenção de um sistema de alertas de tornados.
Tornados, mesmo com os mais avançados equipamentos, são detectados apenas a curtíssimo prazo. Minutos, poucos minutos, separam a emissão do alerta pelo meteorologista e o aviso à população nos Estados Unidos. Há inúmeros casos de avisos com 2 a 3 minutos apenas de antecedência e eventos em que tornados atingiram cidades sem qualquer aviso, apesar dos radares.
As advertências chegam rapidamente ao público nos Estados Unidos porque, além de uma tecnologia confiável de detecção, existe um sistema muito complexo que leva o alerta ao público de forma quase imediata, denominado Emergency Alert System (EAS), criado há décadas sob o nome de Emergency Broadcasting System (EBS) para advertir os milhões de norte-americanos em caso de guerra nuclear. É esse o sistema que aciona as sirenes nas cidades (com som idêntico aos de ataque aéreo), embora nem todas possuam.
O sistema, quando acionado, interrompe imediata e compulsoriamente todas as transmissões de rádio e televisão, tão logo seja emitido o alerta pela Meteorologia. Sirenes, ademais, soam nas áreas ameaçadas. A população, então, busca proteção em abrigos subterrâneos nas suas casas, quando existentes, ou mesmo em abrigos públicos.
E, há alguns anos, os alertas chegam também na tela do celular, sistema que recém começa a ser implementado no Brasil com o chamado cell broadcast. Os alertas no celular norte-americanos orientam acompanhar a mídia local, que como você verá mais adiante neste artigo, tem enorme papel na prevenção em situações de desastre, o que não ocorre em televisão no Brasil.
Os norte-americanos contam ainda com outra alternativa para serem informados instantaneamente sobre a aproximação de uma tempestade ou evento natural significativo. Trata-se do chamado Weather Radio, aparelhos portáteis que podem ser comprados em qualquer loja de eletrônicos a baixo custo (20 a 30 dólares) e que está sintonizado nas freqüências do serviço de Meteorologia.
São transmitidos boletins constantes do tempo e, em caso de alerta, soa um alarme. A pessoa pode ir dormir com o rádio em volume baixo que, na eventualidade de um alerta de tornado, o aparelho soa um alarme. O NOAA, órgão responsável pela previsão do tempo nos Estados Unidos, possui mais de mil transmissões de rádio, em todos os 50 estados e territórios, para operar o sistema de Weather Radio.
Recentemente, o sistema foi modernizado com a tecnologia chamada de SAME (Specific Area Message Encoder) que permite seja o aparelho programado para receber alertas somente quando eles forem emitidos para a área de interesse da pessoa, como parte de uma cidade, e não toda a região.
Mesmo com toda essa estrutura bilionária de alerta e prevenção, que é a mais avançada do mundo e ainda assim imperfeita, os Estados Unidos em 2025 até agora somam 68 mortos por tornado. Apenas um evento, em 16 de maio, no estado do Kentucky, matou 20 pessoas. No ano passado, foram 53 mortes no país. Em 2023, 83 vítimas fatais. Em 2022, 23 mortes. Em 2021, 103 perderam a vida. Em 2020, 78 norte-americanos foram vitimados por tornados. E, no trágico ano de 20111, 553 pessoas morreram nos Estados Unidos em consequência de tornados.
Um elemento crucial de prevenção é que os Estados Unidos possuem avançada cultura meteorológica, que o Brasil está longe de possuir. Público não inunda redes sociais com ofensas a meteorologistas e jornalistas na imprensa não se ocupam de questionar a Meteorologia porque alerta de temporal ou tornado não se concretizou, o oposto do Brasil.
Não bastasse, quando há uma situação grave de risco meteorológico, os canais locais de televisão nos Estados Unidos interrompem sua programação normal, derrubando a programação nacional, permanecendo horas no ar com repórteres e suas equipes de meteorologistas acompanhando a tempestade em tempo real com imagens de radares na tela que antecipam até que bairros e ruas de uma cidade podem ser afetados e com a hora e o minuto que o tornado deve atingir cada ponto.
No Brasil, a previsão do tempo em televisão não é apresentada por meteorologistas, não há acompanhamento de tempestades durante situações de risco nem por canais de 24 horas de jornalismo na tevê paga que não possuem meteorologistas, os alertas emitidos pela Meteorologia não ocupam as capas de jornais e as manchetes dos telejornais na fase de previsão e generosos espaços são dados apenas quando o desastre já ocorreu. Ou seja, a cultura na imprensa brasileira em Meteorologia em tempo severo é pífia e não é de prevenção, mas de cobrir desastres, muitas vezes com profissionais entrevistados que sequer dominam o tema, como os “especialistas em gerenciamento de risco”.
Em síntese, mesmo uma previsão do tempo perfeita com os melhores equipamentos e tecnologias possíveis não impediriam desastres por tornados no Brasil. Do que adianta o meteorologista em sua sala de previsão em Curitiba, Porto Alegre ou São Paulo saber que um tornado atingirá em pouquíssimos minutos uma cidade se não há estrutura para que o seu alerta alcance as pessoas em tempo hábil e ainda os municípios e as pessoas não contarem com treinamento para como reagir ou abrigos para se proteger?

