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Brasil enfrenta sucessivas ondas de calor desde o final do inverno com marcas recordes de temperatura e aquecimento sem precedentes em diferentes regiões do país. Onda de calor atual castiga mais os estados do Sul e do Centro-Oeste. | FÁBIO TEIXEIRA/ANADOLU/AFP/METSUL METEOROLOGIA

A primeira grande onda de calor do verão climático (trimestre dezembro a fevereiro) se registra neste momento com temperaturas altíssimas no Oeste, Norte e no Nordeste da Argentina, no Paraguai, na Bolívia, e nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil, onde as máximas superam os 40ºC.

Ontem, a temperatura na Argentina chegou a 45,3ºC em San Juan. A máxima de 44,9ºC fez com que a cidade argentina de Mendoza registrasse o dia mais quente de sua história, superando o recorde histórico anterior de 44,4ºC, observado em 30 janeiro de 2003.

No Sul do Brasil, a temperatura na cidade de Porto Xavier, no Noroeste gaúcho, atingiu no sábado 40,6ºC. No Centro-Oeste, a estação automática de Cuiabá registrou máxima de 42,2ºC, que é absolutamente incomum para esta época do ano, onde a chuva costuma inibir extremos de temperatura alta.

A onda de calor atual atinge o seu pico de intensidade hoje no Sul do Brasil. A MetSul Meteorologia. A temperatura deve ficar entre 35ºC e 40ºC na grande maioria das cidades do estado gaúcho na tarde deste domingo. Máximas ao redor e acima de 40ºC podem ser registradas no Noroeste, no Oeste, no Centro, Campanha, Sul, nos Centro do estado, nos vales e na Grande Porto Alegre.

Em alguns pontos, podem ocorrer temperaturas tão elevadas quanto 41ºC ou 43ºC. Em Porto Alegre, máximas à tarde de 38ºC a 40ºC na maioria dos bairros, mas na região metropolitana haverá pontos em que os termômetros devem marcar 40ºC a 42ºC durante a tarde deste domingo.

Uma massa de ar excepcionalmente quente cobre neste momento o Centro da América do Sul com temperatura muito acima do normal numa extensa área e afetando vários países. O calor é mais extremo neste domingo no Paraguai, Norte da Argentina, no Rio Grande do Sul e no Centro-Oeste do Brasil, em Mato Grosso e no Mato Grosso do Sul, além de pontos do Sudeste como interior de São Paulo, áreas de Minas Gerais e áreas do Rio de Janeiro.

Meses seguidos de aquecimento recorde no Brasil

O calor muito intenso deste fim de ano se insere em um contexto mundial e nacional de meses seguidos de temperatura acima do normal e recordes. Os meses de setembro, outubro e novembro no mundo foram os mais quentes já registrados no planeta e por uma larga margem.

INMET

Levantamento do Instituto Nacional de Meteorologia mostra que o Brasil tem recordes mensais de temperatura média nacional por cinco meses seguidos. Julho, agosto, setembro, outubro e novembro tiveram as temperaturas médias mais altas no país já observadas. O maior desvio ocorreu em setembro com +1,6ºC e o segundo mais alto em novembro com +1,5ºC.

Sucessivas ondas de calor históricas desde setembro

A primeira grande onda de calor da primavera foi a de setembro. Este episódio fez com que a cidade de Belo Horizonte registrasse a maior temperatura da sua história, com uma máxima de 38,6ºC na estação meteorológica da Pampulha. A temperatura chegou a 43,5ºC no dia 26 no município mineiro de São Romão.

O episódio de calor de setembro foi tão extremo que motivou estudo internacional de atribuição climática rápida. Usando métodos publicados e revisados por pares, cientistas do Brasil, Argentina, Holanda, Estados Unidos da América e Reino Unido da World Weather Attribution concluíram que as mudanças climáticas tornaram a onda de calor de setembro cem vezes mais provável.

Mas, então, viria outubro. O mês foi marcado por dois grandes períodos muito quentes com novos recordes de temperatura e calor extraordinário em algumas localidades. O Centro-Oeste do Brasil, em particular, foi duramente castigado pela onda de calor do mês de outubro.

A cidade de Cuiabá registrou 14 dias com temperatura máxima acima dos 40ºC. No dia 19 de outubro, a capital do Mato Grosso atingiu em sua estação convencional uma máxima de 44,2ºC, a maior temperatura oficialmente observada na cidade desde o começo das medições em 1911. Em Goiás, a temperatura no município de Aragarças atingiu 44,3ºC no dia 19, a maior marca oficial do país em 2023 até agora.

E veio o novembro e junto uma terceira e prolongada onda de calor, que novamente fez história e reescreveu as estatísticas. A cidade de São Paulo quebrou o seu recorde de calor para o mês de novembro por três dias seguidos e em dois ficou a apenas 0,1ºC de igualar o seu recorde absoluto de temperatura máxima de 37,8ºC, de 2014.

Morador da Rocinha, no Rio de Janeiro, se refresca durante a brutal onda de calor que atingiu a capital fluminense na última semana | TERCIO TEIXEIRA/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Moradores da cidade do Rio de Janeiro enfrentaram dias seguidos em que a temperatura máxima passou dos 40ºC com sensação térmica beirando os 60ºC | TOMAZ SILVA/AGÊNCIA BRASIL/EBC

Crianças se refrescam no Complexo da Maré, na cidade do Rio de Janeiro, durante a histórica onda de calor de novembro de 2023 | TÂNIA RÊGO/AGÊNCIA BRASIL/EBC

A cidade do Rio de Janeiro enfrentou vários dias seguido com temperatura máxima acima de 40ºC e as medições indicaram até 43,8ºC na rede da prefeitura. O Alerta Rio mediu ainda por três dias seguidos sensação térmica que beirou os 60ºC. As máxima do dia 18 na cidade do Rio e no estado estiveram entre as mais altas da história.

No Centro-Oeste do Brasil, o Mato Grosso do Sul anotou vários dias seguidos acima de 43ºC. A temperatura mínima na cidade de Porto Murtinho ficou acima dos 30ºC por vários dias. No dia 13, a temperatura não baixou de 32,7ºC. A temperatura máxima na cidade de Cuiabá nos primeiros 18 dias de novembro foi igual ou superior a 40ºC em 14 dias. Todos os dias entre 6 e 18 de novembro foram de máximas acima de 40ºC, ou seja, uma sequência de treze dias seguidos com tardes de mais de 40ºC.

Maior temperatura registrada por estação meteorológica na cidade de São Paulo foi de 38ºC, mas digitais de rua na capital paulista indicavam marcas de até 40ºC sob sol e o efeito das construções da ilha de calor urbano | MIGUEL SCHINCARIOL/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Criança se refresca nas águas na cidade de São Paulo em tarde de calor excessivo na capital paulista na onde de calor de novembro de 2023 | CRIS FAGA/NURPHOTO/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Com a onda de calor extremo de novembro, o consumo de energia no Brasil bateu recorde por dois dias seguidos e pela primeira vez na história superou a marca de 100.000 MW. Os números do Operador Nacional do Sistema mostraram um aumento de 16,8% na carga, se considerada a demanda atendida nos primeiros dias de novembro, passando de 86.800 MW para 101.475 MW.

Na segunda-feira, dia 13 de novembro, a demanda instantânea de carga do Sistema Interligado Nacional (SIN), às 14h17, alcançou 100.955 MW. Foi a primeira vez na história do sistema interligado de energia brasileiro em que a carga superou a marca de 100.000 MW. A maior marca anterior era de 97.659 MW, em 26 de setembro, também durante uma onda de calor.

Houve recorde de demanda na segunda de energia elétrica também no subsistema Sudeste e Centro-Oeste com o pico de carga superando, pela primeira vez, a marca de 60.000 MW com 60.735 MW. O recorde regional até então era de 57.791 MW, ocorrido no dia 26 de setembro deste ano.

Primavera tem mais calor extremo que o verão em vários estados

O calor extraordinário faz com que muitos comentem sobre o que pode vir agora no verão com temperaturas ainda mais altas. “Se está assim agora, imagina no verão”, foi o que mais se leu nas redes sociais. Mas o Brasil é um país de dimensões continentais e as suas características climáticas não são idênticas em todo seu território. Assim, em princípio, a primavera quente para a maioria das áreas não é um indicativo de que calor será ainda maior nos meses do verão.

Por quê? No Norte, por exemplo, o que é verão na maior parte do Brasil é o que se chama de inverno amazônico, a estação chuvosa, o que impede tantos extremos de temperatura alta. No Centro-Oeste e no Sudeste, os meses do verão são os mais chuvosos do ano com instabilidade frequente que dificulta ondas de calor prolongadas, como as da primavera deste ano, associadas a um bloqueio atmosférico com muitos dias seguidos de sol e tempo demasiadamente quente.

Goiânia tem temperatura máxima média mensal de 32,7ºC em agosto, 34,0ºC em setembro e 33,2ºC em outubro, mas na estação verão as média máximas mensais são inferiores com 30,6ºC em dezembro, igual valor em janeiro e 31,0ºC em fevereiro.

Ainda sobre a capital goiana, como um exemplo de que o pior do calor não ocorre normalmente no verão no Centro-Oeste, mas no fim do inverno e na primavera. De acordo com a estatística 1991-2020, a cidade teve, em média, por ano, 4 dias acima de 35ºC em agosto, 13 em setembro e 9 em outubro, entretanto somente um em média em dezembro, janeiro e fevereiro. De uma média de 31 dias por ano com mais de 35ºC em Goiânia, 26 ocorrem apenas no trimestre agosto a outubro.

O mesmo ocorre em Brasília com médias máximas superiores no final do inverno e no começo da primavera do que não verão. E também no interior de São Paulo. Em Franca, o número média de dias acima de 30ºC é de 12 em setembro e também 12 em outubro. Dezembro tem quatro e janeiro e fevereiro cinco cada um.

É o que se vê também em áreas de Minas Gerais mais próximas do Brasil Central, onde a curva de temperatura tem forte influência da estação seca. Caso do Triângulo Mineiro. Uberaba tem as suas maiores médias máximas anuais em setembro e outubro, o que se repete em Uberlândia.

Cidade de Cuiabá tem na primavera o maior número de dias acima de 40ºC enquanto no verão a ocorrência de chuva frequente diminui o número de dias de máximas extremas | PREFEITURA DE CUIABÁ

A cidade de São Paulo é um caso em particular. Os meses mais quentes do ano, na média mensal, são os do verão, de dezembro a março, embora seja o período mais chuvoso do ano. Por outro lado, os extremos de calor com dias de marcas muito altas costumam ocorrer no final da temporada seca, em setembro e outubro.

O que regula os extremos de calor, assim, em grande parte do Brasil é a chuva. A existência de uma temporada seca e outra chuvosa. Há uma temporada de monções (chuva), marcante no Centro-Oeste e no Sudeste do Brasil. No verão, a atmosfera está mais úmida e a chuva é bastante frequente, o que tende a frustrar extremos de calor maiores.

Já no fim do inverno e no começo da primavera, quando ainda chove pouco normalmente, e a atmosfera começa a ficar mais aquecida, ocorrem estes extremos de temperatura alta no Centro-Oeste, no Sudeste e em áreas do Nordeste de clima mais árido ou distantes da costa.

Brasil seguirá mais quente que o normal no verão 2024

A previsão climática da MetSul Meteorologia indica um verão de temperatura acima a muito acima da média na maior parte do Brasil em 2024. Assim, o calorão de agora tende a se repetir outra vezes ao longo do estado e em alguns estados com ainda maior força do que agora.

Os mapas abaixo mostram as projeções de anomalia de temperatura (desvio da média) para o trimeste de dezembro a fevereiro (verão climático) dos modelos climáticos do Centro Meteorológico Europeu (SEAS5), do Met Office da Inglaterra (UKMET), do Serviço Meteorológico da França (Metéo France) e do North American Multi-Model Ensemble (NMME).

Com menos chuva do que o habitual, o Centro do país e áreas do Norte e do Nordeste podem anotar temperaturas mais altas ou muito mais elevadas do que o habitual. Será um verão excepcionalmente para os padrões históricos em muitas cidades de parte do Norte do Brasil, especialmente mais ao Sul da região amazônica, no Centro-Oeste, em muitas áreas do Sudeste e ainda em parte do Nordeste.

Isso, porém, não significa que no Centro-Oeste e nas áreas mais afastadas da costa do Sudeste ocorram marcas tão extremas como as observadas na primavera deste ano. A maior umidade e a chuva evitam períodos muito prolongados de calor. O que ocorrerá, com menos chuva e ar mais quente atuando, será temperatura alta por número maior de dias que o habitual e marcas acima dos máximos normalmente observados durante o verão.

Os estados do Sul e o Rio de Janeiro estão entre as áreas do Brasil que devem ter um verão muito mais quente do que a primavera e com extremos mais altos, até porque o excesso de chuva durante os últimos meses reduziu o número de dias quentes e com calor muito intenso no Sul do país.

Dentre as maiores cidades do Brasil, o Rio de Janeiro não apenas tem as maiores médias de temperatura do ano no verão como tem na estação os seus maiores extremos de temperatura, diferentemente do que ocorre na maior parte do Sudeste e do Centro-Oeste, em que as mais altas temperatura do ano costuma ocorrer na transição da estação seca para a estação chuvosa, entre setembro e novembro.

Justamente por esta razão consideramos que a cidade do Rio de Janeiro, em particular, é uma que em 2024 pode ter um verão por demais quente e com muitos dias de máximas extremas e calor excepcionalmente intenso. O risco será ainda maior se ocorrer um aquecimento do Atlântico na costa brasileira.

Nenhuma região do Brasil, contudo, tem risco tão alto de dias de calor muito intenso a extremo como o Sul do país durante o verão. Isso porque, diferentemente de grande parte do país, os estados mais ao Sul, em particular o Rio Grande do Sul, não possuem os seus extremos anuais de calor modulados por chuva.

Ao contrário do Sudeste e do Centro-Oeste, que possuem meses muito secos em quase nada chove (inverno) e outros de muita chuva (verão), a maior parte do Sul do Brasil não tem diferenças enormes em suas médias de chuva entre o verão e o inverno, com maior regularidade na precipitação anual, exceção de áreas do Paraná.

O verão de 2024 se desenha quente com temperatura acima da média no Sul do país. Diferentemente do período de 2020 a 2023, sob La Niña, que favoreceu estiagens em todos os verões, o verão próximo deve ter mais chuva e umidade, o que vai significar um maior número de dias abafados com noites mais quentes e maior frequência de tempestades de verão.

As piores ondas de calor da história do Rio Grande do Sul, de 1917, 1943 e 2022, se deram todas sob La Niña. Isso porque o fenômeno reduz muito a chuva e a seca favorece a ocorrência de períodos quentes muito prolongados, com tempo seco e calor se retroalimentando em bolhas de calor. Foi o que ocorreu em janeiro de 2022 com 15 dias seguidos acima de 40ºC no estado gaúcho.

Mas onda de calor também ocorrem no Sul durante o El Niño, como está se vendo agora e se viu no verão de 2010, no El Niño de 2009-2010, quando o Rio Grande do Sul enfrentou uma forte onda de calor. Além das máximas extremas, o que foi destacado no episódio de calor de 2010 foram as mínimas muito altas com maior umidade.

O recorde de maior mínima oficial de Porto Alegre, de 27,9ºC, é de 2 de fevereiro de 2010.  Mesmo com máximas inferiores às ondas de calor de 2014 e 2022, a onda de calor do verão de 2010 teve noites mais quentes e dias mais úmidos, o que contribuiu para índices de calor (sensação térmica) opressivos naquele episódio, especialmente em finais de tarde e durante a noite.

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