Um estudo internacional que analisou 217 ciclones tropicais e 14,8 milhões de registros de óbitos em nove países revelou um dado alarmante: as mortes continuam a ocorrer por semanas depois que os ventos cessam.

Furacão categoria 5 Melissa arrasou o Oeste da Jamaica dias atrás | RICARDO MAKYN/AFP/METSUL
O trabalho, liderado pela Universidade Monash, na Austrália, mostra que as principais causas de óbitos pós-ciclone não são ferimentos, mas doenças renais e metabólicas, o que expõe uma crise silenciosa de saúde pública ligada aos desastres climáticos.
Os ciclones tropicais — conhecidos como furacões ou tufões, dependendo da região — figuram entre os sistemas meteorológicos mais destrutivos do planeta.
A cada ano, eles afetam cerca de 20 milhões de pessoas e causam prejuízos próximos de US$ 51,5 bilhões. No entanto, segundo os pesquisadores, o perigo real muitas vezes começa quando a tempestade termina.
A equipe analisou dados de 1.356 comunidades entre 2000 e 2019 e observou que a mortalidade atingia o pico nas duas semanas seguintes ao ciclone, diminuindo depois.
Nesse período, as mortes por doenças renais quase dobraram, seguidas por ferimentos, diabetes, infecções e doenças respiratórias. Interrupções de energia, estradas bloqueadas e contaminação da água explicam parte dessas mortes, que não decorrem de traumas diretos, mas de colapsos nos serviços básicos de saúde.
Os autores chamam esse fenômeno de “carga oculta” dos ciclones e criticam a ênfase excessiva dos governos na resposta imediata. “Quando as equipes de resgate vão embora, hospitais e clínicas continuam sem energia, água potável ou remédios. É aí que muitas vidas se perdem”, alerta o estudo.
A ciência por trás dos números
Os pesquisadores usaram um modelo estatístico de duas etapas para medir os efeitos retardados dos ciclones sobre a mortalidade. O cruzamento de dados meteorológicos e de registros de óbitos mostrou que, a cada dia adicional de exposição ao ciclone, as mortes por doença renal aumentavam 92%, por ferimentos 21% e por diabetes 15%. Mesmo doenças infecciosas, digestivas e respiratórias apresentaram crescimento.
As regiões com maior pobreza e menor experiência com ciclones, como Canadá, Austrália e Nova Zelândia, tiveram os maiores aumentos de mortalidade. Já países acostumados com esses eventos, como Taiwan e Filipinas, mostraram maior resiliência.
Quando a chuva mata mais que o vento
Um dos achados mais surpreendentes foi que a chuva intensa representa risco mais duradouro à saúde do que os ventos fortes. A mortalidade por doenças cardiovasculares, respiratórias e infecciosas se associou mais à precipitação do que à velocidade dos ventos. Ciclones mais lentos e chuvosos, portanto, tendem a ser mais letais no longo prazo.
Os autores defendem que os sistemas de alerta incluam previsões de chuva e riscos sanitários, e que as autoridades de saúde se preparem para surtos de doenças transmitidas pela água, falhas em tratamentos de diálise e falta de medicamentos após enchentes.
Desigualdade e vulnerabilidade
O estudo também destacou que a desigualdade social é determinante. Populações pobres, sem acesso adequado a transporte, energia ou infraestrutura de saúde, enfrentam riscos muito maiores. Idosos foram os mais afetados por doenças renais, enquanto adultos mais jovens tiveram aumento de mortes respiratórias e mentais. Mulheres morreram mais por doenças respiratórias e ferimentos; homens, por diabetes e insuficiência renal.
Os autores pedem uma mudança urgente nas estratégias de resposta a ciclones. Governos devem planejar a continuidade do atendimento médico após a tempestade, garantir energia para equipamentos de diálise, refrigeração de insulina e cadeias seguras de suprimentos. Além disso, a redução da desigualdade social deve ser vista como medida essencial de adaptação climática.
