A devastação em Rio Bonito do Iguaçu é a mais grave no Paraná por um tornado desde que um episódio tornádico arrasador atingiu o município de Palmas há 66 anos durante uma onda de tornados de dois dias no Sul do Brasil que atingiu os três estado da região com 100 mortos.

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Na tarde de 14 de agosto de 1959, uma tragédia sem precedentes abalou a cidade de Palmas, no Sudoeste do Paraná. Um tornado devastador atravessou a região rural do município, deixando ao menos 35 mortos e dezenas de feridos. A força do vento destruiu casas, galpões e uma serraria inteira, provocando uma das maiores catástrofes naturais da história do estado.
O cenário da tragédia foi a Fazenda Fortaleza, localizada a cerca de 30 quilômetros do centro de Palmas. Era uma sexta-feira comum de inverno quando, por volta das 16h30, o tempo começou a mudar rapidamente. O vento aumentou, nuvens escuras surgiram e o barulho no céu ficou cada vez mais forte. Logo, uma chuva de granizo cobriu o vilarejo, e os moradores perceberam que algo fora do comum estava prestes a acontecer.
A sobrevivente Flora Nadir Tonial lembra que recolhia as roupas do varal quando percebeu a aproximação da tempestade. “O barulho era ensurdecedor. Não era trovoada, era um som estranho, diferente. Acho que era o furacão que vinha na direção do povoado”, recorda.
Pouco tempo depois, o céu desabou sobre a comunidade. Ventos estimados em mais de 200 km/h atingiram em cheio a fazenda e a pequena vila formada por trabalhadores da serraria Santo Antônio. Em questão de minutos, todas as construções foram destruídas. Árvores foram arrancadas pelas raízes, tábuas e destroços voaram a longas distâncias, e o chão ficou coberto por destroços e corpos.
A força do tornado foi tão grande que um locomóvel de serraria, uma máquina de cerca de cinco mil quilos, foi arremessado 40 metros. O relato foi registrado pelo jornalista Moacyr Mitsuyasu, enviado especial da Gazeta do Povo, que publicou reportagem detalhada sobre o desastre em 16 de agosto de 1959. “Dezenas de tábuas estavam espalhadas, casas caídas, pinheiros arrancados pelas raízes”, descreveu o repórter.
O epicentro da destruição estava nas terras de José Antônio de Araújo Maciel, conhecido como Tuta, onde funcionava a serraria. O local tinha 12 casas e alguns galpões que abrigavam famílias de operários e agricultores. Todas foram atingidas.
Flora Tonial, então jovem, estava dentro de casa com a mãe e os irmãos quando o tornado chegou. “A finada mãe me disse: ‘Segure a porta que não vai ser nada’. Ela ficou sentada ao lado do fogão e eu fui fechar a porta. Quando cheguei perto, desceu tudo. Não vi mais nada”, relembra. Meia hora depois, recobrou a consciência e viu a casa completamente destruída. A mãe, um sobrinho e uma tia haviam morrido.
O desespero tomou conta da comunidade. Sobreviventes começaram a vasculhar os escombros à procura de familiares e vizinhos desaparecidos. “A dona da fazenda, Aparecida Maciel, chegou pedindo socorro. Estava ferida e com o filho pequeno nos braços. Morreram o outro filho e a empregada que cuidava das crianças”, contou Flora.
Outros relatos dão dimensão do pânico. “Encontramos muita gente morta, todos nus. Tive que levar cobertores do armazém para cobrir os corpos. Da sede da fazenda, que era nova, ficou só o soalho. O galpão dos bois teve a cobertura arrancada, mas os animais ficaram no mesmo lugar. Três pessoas foram jogadas em cima de um colchão e se salvaram”, relatou um dos moradores.
A tragédia causou profunda comoção em Palmas e nas cidades vizinhas. Todas as vítimas foram veladas juntas no ginásio municipal, e o cortejo fúnebre reuniu centenas de pessoas. O comércio fechou as portas e as rádios locais transmitiram relatos emocionados de quem sobreviveu.
Nos dias seguintes, jornais de todo o Paraná noticiaram a catástrofe. A Gazeta do Povo e o Diário da Tarde destacaram a destruição e o impacto humano. Para muitos, o fenômeno era algo difícil de compreender. À época, o termo “tornado” era pouco conhecido, e muitos acreditavam que se tratava de um “furacão em terra”.
O que impressionou os especialistas foi a localização restrita dos danos. Enquanto a Fazenda Fortaleza foi praticamente arrasada, propriedades vizinhas tiveram apenas ventos fortes e chuva. Esse comportamento reforçou a hipótese de um tornado, já que o fenômeno costuma causar devastação concentrada em uma faixa estreita de terreno, deixando áreas próximas quase intactas.
Cinco anos depois, ainda se realizavam missas e homenagens em memória das vítimas. O jornalista Luiz Carlos Bitencourt, natural de Palmas, cresceu ouvindo histórias sobre o desastre. “Sempre se falava da dor dessas famílias, que nunca foi superada”, relatou.
A atual proprietária da Fazenda Fortaleza, Lourdes Carneiro, conta que cresceu ouvindo os relatos sobre o tornado. “Lembro que morreram 29 pessoas na sede e mais uma família de obreiros. Para se ter ideia da força do vento, encontraram em Novo Horizonte, Santa Catarina, o paletó de um fazendeiro daqui, com a carteira de documentos no bolso. Nunca mais tivemos vendaval como aquele.”
O episódio de Palmas é lembrado até hoje como um marco do poder destrutivo dos fenômenos severos no Sul do Brasil. Décadas depois, sobreviventes ainda relatam o medo e o trauma causados pelo tornado de 1959, que transformou uma tarde fria de inverno em um dos dias mais sombrios da história paranaense.
Na memória coletiva de Palmas, a tragédia segue viva — não apenas pela destruição que causou, mas pela demonstração da fragilidade humana diante da força da natureza. Mais de sessenta anos depois, o som ensurdecedor do vento e as lembranças daquela noite ainda ecoam entre os que sobreviveram à fúria do tornado.
