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André Zumak/IHP

O Centro-Oeste do Brasil testemunha um dos maiores desastres ambientais já vistos no Brasil que provoca uma devastação no Pantanal, destrói a biodiversidade e mergulha cidades inteiras em fumaças. Uma tragédia ecológica que comove pelas imagens que já correm o mundo e que levará muitos anos para que se seja revertida.

Somente em agosto, o bioma Pantanal registrou 5.935 focos de calor, número muitíssimo acima da média histórica do mês de 1.399 e que por pouco não superou o recorde de 2005 de 5.993 focos, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Uma grave estiagem na região, descrita como uma das piores em décadas, agrava o problema do fogo que se alastra muito rapidamente com a vegetação que está extremamente seca e o calor que supera diariamente os 40ºC com umidade em níveis de deserto e vento forte.

A situação é mais grave no estado do Mato Grosso. Agosto no estado registrou 10.430 focos de calor. Trata-se do mais alto número para o mês desde o observado no ano de 2010, quando foram registrados por satélites um total de 17.459. O pior ano de fogo em agosto e que é recorde até hoje na base de dados históricos do Inpe foi 1999, quando o Mato Grosso teve impressionantes 18.653 focos de calor no mês. Já no Centro-Oeste, o mês recém terminado teve 13.924 focos de calor, distante do recorde de 25.310 do ano de 2005, mas acima da média histórica mensal de 12.629 focos.

Os números de queimadas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, entretanto, não são definitivos. O órgão esclareceu em nota que um problema no satélite Aqua da agência espacial norte-americana NASA deve fazer com que os números se modifiquem e sejam mais altos que os hoje informados.

A situação piora a cada dia no Pantanal, uma vez que os incêndios prosseguem e outros têm início a cada dia. A real dimensão do desastre ambiental não é ainda totalmente conhecida. As melhores estimativas hoje são de que as queimadas no Pantanal mato-grossense já atingiram ao menos meio milhão de hectares, mas existem cálculos realizados por entidade ambientalistas que colocam o número muito acima de um milhão de hectares.

É uma situação extremamente difícil para quem se esforça em combater as chamas no campo e nas matas. O calor extremo, a baixíssima umidade e o vento fazem com que o fogo se espalhe com grande velocidade e rapidamente fuja do controle. Em poucas horas, um pequeno foco pode se tornar um grande incêndio. A situação é mais crítica principalmente na região de Poconé, no Sul do estado, onde ocorrem os maiores incêndios mais uma vez este ano.

Mário Friedlander/AECOPAN

Para fazer frente às queimadas, uma força-tarefa foi organizada e reúne centenas de integrantes de corporações como os bombeiros de Mato Grosso, de Mato Grosso do Sul, militares da Força Aérea Brasileira, militares da Marinha, ICMBio, funcionários da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), do SESC Pantanal e ainda com o suporte de voluntários. Os esforços incluem aeronaves, equipamentos e viaturas.

O Pantanal nunca viveu um período de tão alta degradação quanto o observado em 2020. De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o número de focos de calor detectados pelos satélites subiu cerca de 220% de janeiro a agosto deste ano em comparação ao mesmo período do ano anterior. A devastação histórica da maior planície interna inundável do mundo está causando um dano que pode levar várias décadas para ser revertido, segundo especialistas da área ambiental.

O fogo já atingiu quase 2 milhões de hectares neste ano, uma área cinco vezes maior que a capital do estado, Cuiabá. O alerta foi feito por especialistas do Instituto Centro de Vida (ICV) em nota técnica divulgada no começo deste mês . O documento alerta que o Pantanal foi bioma mais impactado proporcionalmente, com uma área de vegetação nativa queimada nove vezes superior ao quantitativo de desmatamento na região dos últimos dois anos.

Segundo a SOS Pantanal, ainda não há estimativas da perda de biodiversidade. No entanto, é possível apontar as possíveis vítimas. “Geralmente os animais mais lentos são os que mais sofrem. Serpentes, lagartos, jabutis, jacarés, tamanduás, macacos e antas são comumente encontrados carbonizados, ou com partes do corpo queimadas, por terem mais dificuldade de fugir”, diz a entidade.

Divulgação

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O Conselho Regional de Medicina Veterinária de Mato Grosso (CRMV-MT) lançou campanha de arrecadação de medicamentos e utensílios veterinários para salvar as vidas de animais do Pantanal, que sofrem com o recorde de incêndios vividos pelo bioma este ano.

A fumaça das queimadas também castiga os seres humanos. Dia após dias, moradores da capital do Mato Grosso convivem com a fumaça. Tem sido uma rotina o aeroporto de Cuiabá informar FU (código aeronáutico para fumaça) em seus boletins com queda da visibilidade horizontal para 1.000 a 1.500 metros, como se fosse uma neblina. Ares de Nova Déli e Pequim cobrindo a capital mato-grossense.

IPAM

Com a densa fumaça, não é possível enxergar direito prédios e locais mais distantes na paisagem de Cuiabá. A fumaça se dá com calor extremo que diariamente fica perto ou supera os 40ºC com índices de umidade relativa do ar em alguns momentos em níveis de deserto, criando condições insalubres para a população. Médicos alertam para o alto risco de problemas respiratórios e cardiovasculares em razão da péssima qualidade do ar.

As queimadas no Pantanal são maciçamente intencionais. Ao descaso e irresponsabilidade criminosos, soma-se o fator natural que é uma das piores estiagens em anos na região com chuva abaixo da média que favorece extremos de calor e de umidade baixa, condições que agravam o risco de incêndios e favorecem o rápido alastramento quando há ignição. A temperatura no Mato Grosso tem sistematicamente estado acima de 40ºC, inclusive com recorde de máxima de 109 anos em Cuiabá, e o ar extremamente seco com valores de umidade relativa do ar durante a tarde de até 6% ou 7% que são observados apenas em desertos.

Chuva abaixo da média na região do Pantanal nos últimos 180 dias (NOAA)

Com base nos dados de precipitação registrada pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), desde o dia 1° de janeiro até agora, dois pontos principais podem ser observados quanto a Cuiabá. Primeiro, a chuva não atingiu a média histórica, o que seria o acumulado normal para o período (média de 30 anos de 1981 a 2010). Somando a chuva registrada em relação ao que seria normal de janeiro a setembro até agora choveu 76% da média histórica. Segundo ponto, esse total de chuva ocorreu nos primeiros cinco meses do ano, ou seja, de janeiro a maio, porque depois houve um “corte” na chuva e o tempo seco prevaleceu desde então. Portanto, desde junho praticamente não chove na região.

São ao menos dezesseis semanas de sol, baixa umidade e temperatura alta com efeitos na qualidade do ar, na vegetação, reservas hídricas e solo da região. Não é surpresa diante desse cenário o grave cenário de incêndios que se observa neste momento, o que é exacerbado pela ação humana.

Em Campo Grande, o acumulado de precipitação registrado pelo Inmet desde o dia 1° de janeiro até agora corresponde a 94% da média histórica do período, ou seja, em termos quantitativos, o cenário até não é dos piores, contudo é preciso observar a distribuição dessa chuva e como esses totais se deram. Em abril, mesmo com chuva acima da média, choveu apenas em dois dias, ou seja, o tempo ficou seco com sol em 28 dias. No mês de maio, somente no dia 13 choveu 105 mm, dos 182 do mês todo.

Assim, apesar dos números totais serem positivos, a chuva não foi bem distribuída e acabou  concentrada em curtos períodos, o que dificulta a absorção do solo e pelo lençol freático. Além disso, desde o mês de junho houve uma redução significativa da quantidade e freqüência de chuva, o que de certa forma é normal, porém os acumulados apresentaram desvio negativo na região. E neste mês de setembro ainda não choveu em Campo Grande.

A tendência é que nas próximas semanas a chuva gradualmente comece a retornara para o Centro-Oeste, mas não de forma generalizada. As precipitações tendem a atingir mais o Centro e o Sul do Mato Grosso do Sul, como já ocorreu em agosto, quando é urgente que chova de forma mais generalizada, especialmente nas áreas que concentram mais o fogo no Sudoeste do Mato Grosso. Uma vez que se espera, com o fenômeno La Niña em curso, que a chuva retarde no Centro-Oeste, a instabilidade tão necessária poderá vir somente em meados do mês de outubro e mesmo assim de forma irregular e abaixo do que é necessário.

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