A Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera (NOAA), a agência de tempo e clima do governo dos Estados Unidos, anunciou em comunicado na última quinta-feira (9) que “condições de La Niña estão presentes no Pacífico”.

CHANDAN KHANNA/AFP/METSUL
De acordo com o comunicado da agência, as condições de La Niña se estabeleceram no mês de setembro pela “expansão de temperaturas da superfície do mar abaixo da média em toda a região central e oriental do Oceano Pacífico Equatorial”.
O texto acrescenta que anomalias negativas de temperatura subsuperficial (abaixo da superfície do mar) persistiram com temperaturas abaixo da média predominando da superfície até 200 metros de profundidade na metade oriental do Pacífico Equatorial.
Considerando as anomalias de temperatura, o regime de vento e a convecção (instabilidade) suprimida mais a Leste do Pacifico, a NOAA interpretou que “o sistema oceano-atmosfera acoplado refletiu condições típicas de La Niña”.
Como destacamos na notícia que publicamos imediatamente após o anúncio da NOAA, na manhã da última quinta-feira, a decisão da agência climática norte-americana de declarar condições de La Niña surpreendeu e muito.
Isso porque contraria os próprios critérios seguidos pela agência dos Estados Unidos em todos os últimos episódios tanto de El Niño como de La Niña na faixa equatorial do Oceano Pacífico.
Normalmente, a NOAA declara condições de El Niño com várias semanas seguidas em que as anomalias de temperatura do mar no Pacífico Equatorial Centro-Leste, a chamada região Niño 3.4, são iguais ou superiores a +0,5ºC. E declara condições de La Niña com anomalias na mesma região de -0,5ºC ou inferiores por semanas seguidas.
Não foi o que se observou nesta inusitada declaração pela agência do governo norte-americano. Observando-se os dados semanais de anomalia de temperatura da superfície do mar na região Niño 3.4, que é a usada para se designar oficialmente se há La Niña ou El Niño, nas últimas semanas apenas três tiveram anomalia em patamar de La Niña e ainda assim no valor de -0,5ºC, que é exatamente o limite para a neutralidade (-0,4ºC a +0,4ºC).
Veja as anomalias de temperaturas superficiais do Pacífico semanais na região Niño 3.4, conforme dados da Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera (NOAA):
02/07/2025: 0,0ºC
09/07/2025: 0,1ºC
16/07/2025: -0,2ºC
23/07/2025: -0,2ºC
30/07/2025: -0,3ºC
06/08/2025: -0,3ºC
13/08/2025: -0,3ºC
20/08/2025: -0,4ºC
27/08/2025: -0,4ºC
03/09/2025: -0,3ºC
10/09/2025: -0,5ºC
17/09/2025: -0,4ºC
24/09/2025: -0,5ºC
01/10/2025: -0,5ºC
08/10/2025: -0,3ºC
Considerado as últimas oito semanas, a média de anomalia de temperatura do mar foi de 0,41ºC, ou seja, em patamar de neutralidade. Se consideradas apenas as últimas quatro semanas, a anomalia média foi de 0,43ºC, ou seja, igualmente em patamar neutro.
Como ocorre em todas as segundas-feiras, a NOAA atualiza o valor de anomalia do mar na semana anterior. O dado que ingressou nesta segunda (13), o primeiro desde o anúncio de La Niña na quinta, foi de -0,3ºC, ou seja, solidamente na faixa de neutralidade e não de La Niña.
Isso torna incompreensível pelos critérios históricos da NOAA que ela tenha declarado condições de La Niña, mas conjecturamos que existe uma hipótese que talvez explique a decisão pelo anúncio e que não foi informado publicamente.
Os meteorologista da NOAA, para a sua decisão de anunciar La Niña, podem ter feito uso de chamado “Índice Relativo ENSO”, que é índice de temperatura de superfície do mar (TSM) mais recente, projetado para medir o El Niño-Oscilação Sul (ENSO) de uma forma que leva em conta o aquecimento global.
Ele ajusta a temperatura da região do Niño-3.4 para remover a contribuição do aquecimento geral, resultando em um valor que pode refletir melhor a magnitude real de um evento ENSO em relação ao seu contexto climático atual. Em contraste com o Índice Oceânico de Niño (ONI) tradicional e oficial, ele pode mostrar condições diferentes, especialmente em anos recentes.
O trimestre de dezembro de 2024 a fevereiro de 2025 teve pelo índice oficial usado pela NOAA (chamado ONI) uma anomalia de -0,6ºC, mas se considerado o novo índice (Índice Relativo ENSO) a anomalia trimestral foi de -0,94ºC.
Essa é a única racional possível que enxergamos para o anúncio da NOAA de La Niña quando pelo índice oficialmente usado (ONI) as condições seguem sendo de neutralidade. A grande questão é que não houve pela agência nenhum aviso sobre mudança de índice e nos boletins semanais que publica segue usando o tradicional e antigo ONI.
Em síntese e linguagem muito clara: pelo índice oficialmente usado há anos pela NOAA não havia como declarar o retorno do fenômeno La Niña e a única hipótese que vemos para justificar o anúncio é um novo índice que a agência não informou ter usado na sua decisão e que ainda não é o oficialmente utilizado.
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