Depois de muitas décadas, o Sul do Brasil se vê preocupado com uma grande nuvem de gafanhotos, mas a praga é antiga e devastou lavouras no Sul do Brasil, em São Paulo e outros estados na primeira metade do último século e até antes.
Um passeio pela hemeroteca da coleção de jornais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro mostra que, como agora, o tema gafanhotos recebeu enorme atenção da imprensa brasileira no passado. Dentre muitas publicações consultadas, a MetSul Meteorologia selecionou algumas que ilustram como décadas atrás os brasileiros enxergavam a praga como uma grande ameaça e mobilizavam todos os recursos possíveis, e escassos, para o enfrentamento dos insetos.
Depois do Super El Niño de 1941 que trouxe enchentes devastadoras, o Sul do Brasil enfrentou uma seca de proporções arrasadoras entre 1942 e 1943 que favoreceu o assalto dos gafanhotos.
Em 3 de junho de 1917, o Jornal do Comércio noticiava a invasão de gafanhotos em Manaus e que toneladas tinham sido retirados das ruas por um esforço de “guerra” na capital amazonense.
O Correio da Manhã da terça-feira, 1 de outubro de 1946, noticiava a invasão dos gafanhotos no Paraná. O combate, com mobilização de militares vindos de São Paulo, se concentrava na região do município de Irati. Eram utilizados até lança-chamas no combate aos gafanhotos e venenos revelados pela Segunda Guerra Mundial.
A reportagem dava conta que o município paranaense de Rio Azul fora tomado pelos gafanhotos e que a quantidade de insetos era tamanha que as ruas chegaram a ficar intransitáveis. Ainda segundo o Correio da Manhã, moradores da localidade faziam de tudo para impedir o ingresso dos insetos nas residências porque destruíam as roupas.
A extensa nota do Correio da Manhã fez ainda um relato dramático da situação no município paranaense de Rebouças, onde o céu ficou escurecido pela nuvem de gafanhotos que devastou lavouras. Moradores chegaram a colocar guizos em seus cães para afastar os insetos.
Os gafanhotos provocavam destruição também em Santa Catarina. O diretor da época do então Fomento Agrícola contou que chegava a sonhar com os gafanhotos.
A reportagem do matutino explicava ao leitor que os insetos atacavam principalmente estados do Sul e do Sudeste do Brasil e que vinham do Uruguai após terem se originado na Argentina.
Dias mais tarde, em 9 de outubro de 1946, o jornal A Noite descrevia como uma “calamidade pública” a invasão de gafanhotos no Sul do Brasil, especialmente em Santa Catarina e no Paraná. O jornal noticiava a campanha “todos têm o dever de combater o gafanhoto” que, segundo o periódico, envolvia até crianças.
A “praga apocalíptica” era o assunto da época e, tal como nos dias atuais, havia publicações críticas à cobertura “espalhafatosa” da imprensa e mensagens ufanistas como “os gafanhotos passam e o Brasil continua”. Como na edição de A Manhã de 3 de outubro de 1946.
Se hoje as redes sociais se enchem de menções ao livro bíblico do Apocalipse e comentários de conotações religiosas, um século atrás elas já existiam nos únicos meios de comunicação de massa da época. Em 9 de março de 1925, o jornal A Gazeta de São Paulo lembrava que “de vez em quando os países da América são invadidos por densas nuvens de gafanhotos” e trazia como título principal de capa com ousado projeto gráfico para a época “Os gafanhotos e as profecias de Moisés”.
Diferentemente de hoje, nos anos 40 a aviação era incipiente no campo. Em 23 de agosto de 1947, o jornal A Noite destacava que o aeroclube de Pelotas emprestava um “teco-teco” para o primeiro enfrentamento aéreo com pulverização no Brasil, técnica que já era usada na Argentina que contava, assim como em 2020, com um programa mais estruturado de combate à praga. Era o começo da aviação agrícola no Brasil.
Foram vários episódios de nuvens de gafanhoto no Rio Grande do Sul na primeira metade do século passado. Segundo o jornal Zero Hora, a última invasão da espécie Schistocerca cancellata em solo gaúcho ocorreu entre 1946 e 1948, antecedida por outra entre 1932 e 1933. Deixaram estragos nos cultivos de milho, arroz, trigo e cana de açúcar. Houve outro ataque no Noroeste gaúcho em 1986 pela espécie Rhammatocerus pictus. Passo Fundo e Júlio de Castilhos também presenciaram a invasão dos insetos entre 1999 e 2000. Em Júlio de Castilhos, eles causaram prejuízos nas lavouras de soja.
Mas os gafanhotos já faziam estragos muito antes. Em 1906, o Rio Grande do Sul teve uma invasão devastadora de gafanhotos.
O então intendente (prefeito) de Cruz Alta Cândido Machado declarou que os agricultores com menos posses foram a miséria a tal ponto que a intendência teve que abrir postos de trabalho para levar alguma renda cujo custo anual foi na ordem de seis contos e quinhentos e noventa mil réis. Nesta época usaram para combater a “vassoura de fogo” e criavam barreiras de fogo para conter os gafanhotos.
Em 29 de setembro de 1906, o jornal A Federação do Partido Republicano gaúcho noticiava que o governo do Rio Grande do Sul estava pagando por ovos de gafanhotos encontrados e criticava o jornal concorrente Correio do Povo, “a folha neutra”, pela sua cobertura do fato.
A praga voltaria com força ao território gaúcho na década de 40. Em 6 de junho de 1947, noticiava-se o ingresso de uma nuvem de gafanhotos de trinta quilômetros de extensão por Uruguaiana e Quaraí, causando espanto por ser inverno e não tem um período propício para a praga.
Em 14 de junho de 1947, o Jornal Diário Serrano de Cruz Alta noticiava “Grande nuvem de gafanhotos, de mais de cinco léguas de extensão, acaba de invadir os municípios de Tupanciretã e Cruz Alta”.
Aviões da Secretaria da Agricultura realizaram o combate aéreo da praga com uso de DDT (diclorodifenil tricloroetana). Os agricultores usavam de outros meios como lança chamas. “Até mesmo as crianças, montadas em cavalos galopavam com panos brancos, outras em duplas arrastavam taquaras atadas e latas velhas em forma de tambor para espantar os acrídios das lavoras de trigo”, noticiou o jornal à época.
Em 19 de agosto de 1947, a Gazeta de Santa Cruz do Sul noticiou que, “nas últimas semanas, tornou-se acontecimento quase diário a passagem de nuvens compactas de gafanhotos pelo município.” Menos de uma semana depois, nova matéria contava que uma gigantesca onda atingiu a cidade. De todos os distritos, vinham notícias de prejuízos nas lavouras e pomares.
Para amenizar os problemas, o governador Walter Jobim enviou uma equipe de 50 homens para ajudar os colonos a combater os acrídeos, contou a Gazeta. Eles contavam com um lança-chamas com alcance de 25 metros, para proteger as plantações na região de Vale do Sol e arredores. Os gafanhotos atacavam as lavouras de trigo.