O Caribe se prepara para enfrentar uma das tempestades mais perigosas da década. A ainda desorganizada, mas ameaçadora, tempestade tropical Melissa deve se transformar em um furacão de Categoria 4 ou 5 nos próximos dias, com potencial catastrófico para a Jamaica e o Haiti, segundo previsões atualizadas do Centro Nacional de Furacões dos Estados Unidos (NHC).

Modelos projetam que Melissa vire um poderoso furacão que ficaria por dias atuando perto da Jamaica e com risco de tocar terra | TROPICAL TIBIDTS
Meteorologistas alertam que a combinação de movimento quase estacionário, chuvas extremas e calor recorde das águas do Caribe cria o cenário ideal para uma tragédia humanitária com riscos catastróficos para o Haiti e principalmente a Jamaica.
Nas primeiras horas de sexta-feira, Melissa apresentava ventos sustentados de 75 km/h e deslocava-se a apenas 2 km/h em direção noroeste — uma lentidão que agrava o risco. A tempestade está praticamente parada sobre águas de 30 °C, uma das temperaturas mais altas já registradas na região para o final de outubro. Essa energia oceânica serve como combustível para intensificação rápida, o fenômeno que pode transformar um sistema tropical em um furacão devastador em questão de horas.
As condições atmosféricas começam a se tornar mais favoráveis. O cisalhamento do vento, que até agora impedia a organização vertical do sistema, deve diminuir durante o fim de semana, permitindo que Melissa desenvolva um centro coeso e forme um olho bem definido. Modelos de previsão, como o HWRF e o HAFS-B, projetam rajadas que podem superar 250 km/h entre domingo e segunda-feira.
“Não é exagero dizer que podemos estar diante de um furacão de categoria 5, talvez um dos mais intensos já registrados no Caribe”, escreveu o meteorologista Andy Hazelton, da Universidade de Miami.
A Jamaica é o país mais ameaçado no curto prazo. De acordo com o NHC, há grande probabilidade de Melissa passar muito próxima ou diretamente sobre a ilha entre domingo e terça-feira, permanecendo por até 72 horas nas imediações. O cenário é descrito por especialistas como assustador: um furacão de grandes proporções praticamente estacionário, despejando centenas de milímetros de chuva por dia sobre um território montanhoso e densamente povoado.

NHC/NOAA
Comparações inevitáveis têm sido feitas com o furacão Gilbert, que atingiu a Jamaica em setembro de 1988 com ventos de 215 km/h. Gilbert matou 49 pessoas, destruiu mais de 100 mil casas e devastou plantações inteiras de banana. “Melissa tem potencial para ser pior que Gilbert”, advertiu o meteorologista e pesquisador Ben Noll, do The Washington Post. “A diferença é que Melissa deve se mover ainda mais devagar e sobre um mar mais quente.”
O governo jamaicano já determinou o fechamento antecipado de repartições públicas e advertiu a população a se preparar para dias sem energia elétrica, transporte e comunicação. A empresa estatal Jamaica Public Service informou estar mobilizando equipes locais e estrangeiras para reforçar o sistema elétrico, reconhecendo que interrupções em larga escala são prováveis. “O solo está encharcado e a previsão é de mais chuva. Deslizamentos e enchentes podem afetar a rede elétrica em várias regiões”, afirmou o diretor de operações, Lance Becca.
Na capital Kingston, filas se formaram em supermercados e postos de combustível desde a noite de quinta-feira. O governo recomendou que as famílias garantam água potável, alimentos não perecíveis e medicamentos suficientes para vários dias. O temor é de que comunidades fiquem isoladas por deslizamentos e enchentes, principalmente nas áreas montanhosas do interior e no sul da ilha, onde os acumulados de chuva podem ultrapassar 700 milímetros.
O Haiti, já fragilizado por uma grave crise humanitária e política, também enfrenta uma situação de altíssimo risco. A Defesa Civil local confirmou ao menos três mortes na região de Port-au-Prince em deslizamentos de terra provocados pelas chuvas iniciais associadas a Melissa. Outras cinco pessoas ficaram feridas no departamento de Artibonite após o colapso de um muro.
A previsão indica que o Haiti ficará no quadrante mais chuvoso da tempestade, sujeito a inundações de grande magnitude e escorregamentos em encostas instáveis. “Esperamos chuvas catastróficas e múltiplos deslizamentos em áreas do sul e do centro do país”, alertou o NHC em comunicado na manhã de sexta-feira.
Organizações humanitárias que atuam no Haiti alertam que as condições no país podem agravar o impacto. “Milhares de pessoas vivem em abrigos improvisados desde o terremoto de 2021, sem acesso a saneamento e drenagem adequados”, lembrou a ONG Care Haiti. “Uma tempestade prolongada e violenta pode gerar uma catástrofe de grandes proporções.”
A incerteza sobre a trajetória exata de Melissa aumenta a tensão. Modelos meteorológicos divergem quanto ao ponto em que o sistema fará a curva para o norte. O modelo europeu prevê um movimento mais lento e persistente em direção ao oeste, mantendo o ciclone perto da Jamaica até o início da próxima semana. Já o modelo americano GFS, tradicionalmente mais otimista, previa uma guinada para nordeste que não se concretizou.
A mais recente atualização do NHC projeta que Melissa passará muito próxima da Jamaica no fim de semana e depois seguirá para o norte, possivelmente atingindo Cuba, as Ilhas Turcas e Caicos e as Bahamas. No entanto, os meteorologistas alertam que uma leve mudança no posicionamento do centro da tempestade pode alterar drasticamente os impactos. Se Melissa fizer uma curva mais ao oeste, Jamaica pode enfrentar ventos de furacão por mais de 48 horas. Se o movimento for mais ao leste, o Haiti e o sul da República Dominicana serão os mais atingidos.
“Estamos diante de um evento de risco extremo. O padrão atmosférico sugere que Melissa permanecerá quase estacionária, e isso multiplica os efeitos destrutivos. Em alguns pontos, pode chover mais de 750 milímetros em quatro dias”, disse o meteorologista cubano José Rubiera, ex-diretor do Instituto de Meteorologia de Havana.
Os modelos do Google DeepMind, recentemente incorporados à previsão de furacões, também mostram grande dispersão de trajetórias, com alguns cenários indicando que o sistema pode dar uma volta parcial sobre o Caribe antes de seguir para o norte. Outros simulam que Melissa poderá atingir diretamente o centro de Cuba ou mesmo cruzar o Canal de Barlavento rumo às Bahamas.
O que todos os modelos têm em comum é a intensidade. A previsão consensual é de que Melissa se fortaleça rapidamente a partir de sábado, atingindo status de grande furacão — categoria 4 ou superior — sobre águas excepcionalmente quentes e com forte conteúdo de calor oceânico em profundidade.
O fator mais preocupante, segundo especialistas, é a duração. A trajetória lenta significa que Jamaica e Haiti poderão enfrentar dias de ventos destrutivos, marés de tempestade e precipitação extrema. O NHC já fala em “impactos prolongados e potencialmente históricos”.
Na noite de quinta-feira, imagens de satélite mostravam uma convecção mais simétrica em torno do centro da tempestade — sinal de que a estrutura estava finalmente se organizando. A pressão atmosférica começou a cair rapidamente, um indicativo clássico de intensificação.
Os oceanos quentes da região — até 31 °C em algumas áreas — formam um “barril de pólvora meteorológico”, nas palavras de analistas. “Melissa está sobre uma das zonas de maior conteúdo de calor oceânico do planeta. Qualquer sistema que permaneça parado ali tem chance de explodir em intensidade”, explicou o meteorologista Bob Henson, do Yale Climate Connections.
A partir de segunda-feira, a tendência é de que Melissa comece a deslocar-se lentamente para o norte, cruzando o leste de Cuba e depois as Bahamas. Mesmo que o centro da tempestade não toque diretamente o território jamaicano, o impacto será severo. “Não importa se o olho passa ao sul ou ao norte. A quantidade de chuva e o tempo de exposição são suficientes para provocar inundações devastadoras”, observou Henson.
A meteorologia também aponta risco de ondas gigantes e ressaca intensa em todo o Caribe ocidental. A combinação de mar revolto, ventos fortes e chuvas torrenciais pode comprometer portos, ilhas turísticas e rotas marítimas. Linhas de cruzeiro já começaram a cancelar viagens ou alterar itinerários na região.
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