A onda de frio polar que atinge a Argentina nesta primeira semana de julho escancarou uma tragédia silenciosa: o aumento das mortes de pessoas em situação de rua. De acordo com organizações que atuam com a população vulnerável, ao menos 63 pessoas em situação de rua morreram neste ano em todo o país com as baixas temperaturas, sendo 13 apenas na atual onda de frio.

CATRIEL GALLUCCI BORDONI/NURPHOTO/AFP/METSUL
O dado foi divulgado de forma emergencial por grupo de estudos da Universidade de Buenos Aires. Tradicionalmente, o levantamento das mortes só é publicado em agosto, mas a gravidade do atual cenário fez com que os números fossem antecipados.
A maioria dos óbitos ocorreu por causas atribuídas oficialmente como “naturais”, ou seja, pessoas encontradas mortas nas ruas, sem sinais evidentes de violência, embora as entidades alertem que isso mascara as reais causas — que envolvem fome, frio, falta de acesso à saúde e condições mínimas de sobrevivência.
Entre os fatores que agravam o risco de morte, as entidades sociais listam a má alimentação, exposição às temperaturas extremas, desidratação, falta de higiene, insônia constante, estresse, violência física, e ausência de atendimento médico. Muitas das vítimas não conseguem sequer uma vaga em abrigos, que estão superlotados ou com estruturas precárias.
A situação se tornou ainda mais crítica com a intensificação da massa de ar polar. Buenos Aires registrou -1,9 °C na manhã de ontem, a temperatura mais baixa na capital desde 1991. Já em El Palomar, cidade da Grande Buenos Aires, os termômetros marcaram -7,4 °C, a segunda temperatura mais baixa desde 1935. Em províncias como Mendoza, Santa Fe, Misiones, Corrientes, San Luis e Río Negro também houve registros de mortes por hipotermia.
Uma das vítimas foi Juan Carlos Leiva, de 51 anos, em Mendoza. Ele morreu após ser impedido de entrar em um abrigo com seu cão de estimação, Sultán. Preferiu enfrentar o frio na rua a abandonar o animal. Não resistiu à madrugada gelada.
A organização Proyecto 7, que realiza ações diárias com pessoas em situação de rua, declarou “estado de emergência” em seus centros de acolhimento. “Mais uma vez chega o inverno, chega a onda polar e alguns se dão conta de que há pessoas vivendo nas ruas. Elas estão aí o ano inteiro. São expulsas, deslocadas, ignoradas”, afirmou Horacio Ávila, coordenador da ONG.
De acordo com o último dado da Prefeitura de Buenos Aires, divulgado em novembro de 2024, há 4049 pessoas em situação de rua na cidade, sendo 2813 em abrigos e 1236 dormindo diretamente nas ruas. As organizações contestam esse número e afirmam que a população real sem teto é bem maior.
Outro grupo, o Amigos en el Camino, intensificou a distribuição de alimentos e agasalhos nas ruas durante as noites gélidas. A entidade mantém campanhas de arrecadação de frazadas e meias. Os links para doações estão disponíveis nas redes sociais da ONG.
Paralelamente à crise da população em situação de rua, o país enfrenta ainda alertas de saúde pública por conta do uso de formas perigosas de aquecimento. O jornal Clarín noticiou a morte de cinco pessoas por inalação de monóxido de carbono em Mendoza, Mar del Plata e Entre Ríos, em decorrência da má ventilação e combustão defeituosa de aquecedores improvisados.
A onda de frio ocorre após um 2024 marcado por extremos climáticos. Segundo o Serviço Meteorológico Nacional (SMN), 2024 foi o segundo ano mais quente da Argentina desde 1961, atrás apenas de 2023. Durante o verão, uma onda de calor recorde atingiu o país entre janeiro e fevereiro, com temperatura máxima de 45,7 °C em Santiago del Estero. No inverno do ano passado, a Argentina já havia enfrentado a onda de frio mais longa desde 1992.
No Uruguai, país vizinho, sete pessoas em situação de rua morreram nas últimas semanas, segundo dados oficiais. O governo admite que os abrigos estão lotados e que o número de pessoas vivendo nas ruas aumentou consideravelmente desde o último censo. A oposição tem criticado duramente a resposta das autoridades e cobra ações emergenciais diante da gravidade da crise.
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