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Incêndios na Austrália podem ter mexido no clima e contribuído para a seca no Sul do Brasil, Uruguai e Argentina, dentre outros extremos observados no Brasil nos últimos anos em consequência da La Niña. É o que mostra um estudo recentemente publicado que vincula o prolongamento do evento de La Niña de 2020 a 2023 a uma feroz temporada de incêndios florestais no outro lado do mundo, na Austrália.

A sucessão de anos de estiagem no Rio Grande do Sul com perdas de centenas de bilhões de reais na agricultura e a seca devastadora na Argentina e no Uruguai com safras arrasadas e uma grave crise de escassez hídrica que ainda perdura foram consequência do episódio triplo de La Niña.

A catástrofe de incêndios florestais conhecida como “Verão Negro” na Austrália expeliu tanta fumaça que pode ter alimentado o início global do La Nina em 2020, de acordo com a pesquisa publicada na revista científica Science Advances.

O estudo mostra que os incêndios florestais foram “excepcionais” em sua gravidade, o que gerou emissões em uma escala semelhante a de grandes erupções vulcânicas. Sugeriu que isso levou à formação de vastos bancos de nuvens sobre o Sudeste do Oceano Pacífico, que absorveram a radiação do sol e levaram ao resfriamento das temperaturas das águas superficiais. O processo, segundo o estudo, pode ter ajudado a desencadear o início de um padrão climático excepcionalmente longo de La Nina, descobriram os pesquisadores.

Os incêndios florestais do “Verão Negro” ocorreram na costa Leste da Austrália do final de 2019 ao início de 2020, destruindo áreas de floresta, matando milhões de animais e cobrindo as cidades com uma fumaça nociva.

Um raro “mergulho triplo” de La Nina moldou os padrões climáticos globais entre setembro de 2020 e março de 2023, provocando uma série de ciclones tropicais devastadores e exacerbando as secas em várias partes do planeta.

Os pesquisadores John Fasullo e Nan Rosenbloom, do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica dos Estados Unidos, usaram a modelagem para demonstrar como as emissões dos incêndios florestais podem mudar os padrões climáticos.

Céu da tarde vermelho devido aos incêndios florestais na área ao redor da cidade de Nowra, no estado australiano de Nova Gales do Sul, em 31 de dezembro de 2019. Milhares de turistas e moradores locais foram forçados a fugir para as praias no Sudeste da Austrália que era devastado pelo fogo. | SAEED KHAN/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Uma foto de longa exposição mostra um carro trafegando em uma estrada enquanto o céu fica vermelho com a fumaça do incêndio florestal de Snowy Valley nos arredores de Cooma em 4 de janeiro de 2020. | SAEED KHAN/AFP/METSUL METEOROLOGIA

A fumaça das queimadas é carregada de partículas que atuam como “núcleos de condensação”, que atraem moléculas de água na atmosfera, semeando a formação de nuvens. Este cobertor de nuvens pode causar “resfriamento generalizado da superfície” no Oceano Pacífico tropical, mostrou a modelagem, que é um dos principais ingredientes para o início do La Niña.

“Os resultados aqui sugerem uma conexão potencial entre o surgimento de condições frias no Leste do Oceano Pacífico e a resposta climática às emissões de incêndios florestais na Austrália”, afirmou o estudo.

Moradores dão um mergulho para se refrescar no Lago Jindabyne, sob um céu laranja devido à fumaça dos incêndios florestais, na cidade de Jindabyne, em Nova Gales do Sul, em 4 de janeiro de 2020. | SAEED KHAN/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Um canguru pula em um campo em meio à fumaça de um incêndio florestal em Snowy Valley, nos arredores de Cooma, em 4 de janeiro de 2020 | SAEED KHAN/AFP/METSUL METEOROLOGIA

O cientista climático australiano Tom Mortlock disse que os incêndios florestais causaram a formação de nuvens em uma parte do Pacífico que desempenha um papel crucial na regulação do clima global. “O canto Sudeste do Pacífico é uma área realmente sensível e importante para o que acontece com El Nino e La Nina”, disse. “Muitas vezes vemos os primeiros sinais de um El Nino ou La Nina se formando naquela parte do oceano”, explicou.

Pete Strutton, do Centro Australiano de Excelência para Extremos Climáticos, disse que isso demonstra a escala dos incêndios florestais. “Temos um evento que aconteceu em terra no Sudeste da Austrália, que está tendo um impacto na atmosfera”, contou.

NOAA

A pluma de fumaça originada nos devastadores incêndios na Austrália foi tão gigantesca, que cruzou mais de 12 mil quilômetros no Oceano Pacífico até alcançar a América do Sul. A fumaça dos incêndios australianos ingressou na primeira semana de janeiro de 2020 no Rio Grande do Sul, alterando a cor do céu e gerando finais de tarde com cores vibrantes.

Uma equipe separada de pesquisadores britânicos descobriu no ano passado que os incêndios florestais do “Verão Negro” expeliram milhões de toneladas de emissões na atmosfera, provavelmente agravando o buraco na camada de ozônio na Antártica. Os padrões climáticos globais oscilam entre o resfriamento do La Niña e o aquecimento dos ciclos do El Niño com condições neutras nos intervalos entre os dois fenômenos.