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Um velho conhecido, o fenômeno El Niño, pode retornar em 2026 e junto um risco alto de enchentes no Sul do Brasil. Modelos computadorizados de clima indicam para o ano que vem uma nova fase quente no Oceano Pacífico Equatorial com impactos no clima do Brasil e do mundo.

El Niño costuma provocar enchentes mais frequentes no Sul do Brasil e algumas de grandes proporções | ANSELMO CUNHA/AFP/METSUL/ARQUIVO

O último episódio do fenômeno El Niño ocorreu entre 2023 e 2024 e teve consequências dramáticas no Rio Grande do Sul com uma sucessão de enchentes catastróficas durante o segundo semestre de 2023 e o primeiro semestre de 2024, quando ocorreu a maior e o maior desastre climático da história gaúcha.

No Centro do Brasil, o episódio de El Niño de muito forte intensidade de 2023-2024 foi responsável por grandes e intensas onda de calor no inverno e na primavera que fizeram o Brasil bater recordes de temperatura média. O calor provocou ainda um alto número de queimadas.

O fenômeno El Niño é uma oscilação natural do sistema climático que se repete de forma irregular ao longo das décadas, com intervalos que geralmente variam entre dois e sete anos. Ocorre quando as águas superficiais do Pacífico Equatorial ficam anormalmente aquecidas, alterando a circulação atmosférica global e impactando o clima em diferentes partes do planeta.

Embora seja recorrente, cada episódio de El Niño apresenta intensidade, duração e efeitos distintos, o que faz com que nenhum evento seja exatamente igual ao anterior. Em alguns ciclos, o aquecimento é moderado e provoca impactos relativamente limitados; em outros, o aquecimento é forte e desencadeia consequências severas, como secas extremas e chuvas excessivas.

Por isso, o retorno do El Niño significa um risco agravado de enchentes no Sul do Brasil e calor excessivo no Centro-Oeste, Sul da Amazônia e Região Sudeste, mas, como cada episódio do evento é único com suas próprias características e intensidade, os efeitos não necessariamente se dão na mesma proporção de eventos anteriores. Com efeito, a eventual atuação do El Niño no próximo ano não implica que haverá uma repetição do desastre de 2024, mas uma agravamento do risco de que se repita.

Neste momento, a fase do Pacífico é a oposta do El Niño. As águas do Oceano Pacífico Equatorial estão mais frias do que a média. Trata-se do fenômeno La Niña, que foi declarado pela agência de tempo e clima do governo dos Estados Unidos (NOAA) em outubro e atua com fraca intensidade.

A tendência é que as condições de La Niña persistam neste fim de ano e no começo de 2026, entretanto no decorrer do verão o curto e fraco episódio do fenômeno deverá chegar ao fim com o retorno das condições de neutralidade (ausência de El Niño e La Niña).

O que os modelos de clima mostram sobre El Niño

Vários modelos de clima analisados pela MetSul Meteorologia indicam um aquecimento do Pacífico Equatorial a partir do próximo outono. Normalmente, os episódios de El Nino começam no inverno ou na primavera, mas, às vezes, têm início ainda mais cedo. Em 2023, por exemplo, o comunicado da NOAA sobre o começo do El Niño ocorreu no dia 8 de junho a partir do aquecimento das águas oceânicas que se observou durante o outono daquele ano.

Vários modelos de clima indicam uma fase quente do Pacifico em 2026 | NOAA

Os dados disponíveis hoje de modelos de clima de longo prazo apontam um cenário de aquecimento do Pacífico Equatorial no decorrer do outono de 2026 com uma possível instalação de um evento de El Niño no final do outono ou durante o inverno do ano que vem, que perduraria na primavera e poderia se estender ao verão ou outono de 2027.

Modelo de clima CFS (EUA) aponta El Niño no próximo inverno | NOAA

Modelo de clima europeu indica El Niño possível já no final do outono de 2026 | ECMWF

É muitíssimo prematuro para se especular sobre a intensidade do possível episódio de El Niño em 2026. É muito cedo e ainda não há dados suficientemente sólidos para quaisquer previsões de intensidade do fenômeno, caso ele ressurja, como indicam os modelos de clima.

O próprio retorno do fenômeno em 2026 está neste momento no terreno da probabilidade e ainda não é uma certeza. Nos próximos três meses, com mais dados de modelagem de clima disponíveis, o cenário para o Pacífico no ano que vem ficará mais claro.

Risco agravado de enchentes

O fenômeno agrava o risco de enchentes no Rio Grande do Sul e nos demais estados do Sul do Brasil porque altera profundamente o regime de chuvas sobre a região. Em eventos do fenômeno, o Pacífico Equatorial aquece mais do que o normal e modifica a circulação atmosférica na América do Sul.

A mudança no padrão de circulação atmosférica favorece a formação de frentes frias e quentes mais frequentes e sistemas de baixa pressão mais persistentes sobre o Sul do Brasil, criando um corredor de umidade que mantém a região sob chuva recorrente e, muitas vezes, volumosa.

No Rio Grande do Sul e Santa Catarina, isso se traduz em episódios de precipitação acima da média por semanas consecutivas, saturando o solo e deixando rios, arroios e barragens com pouca margem para absorver novos volumes. Assim, qualquer novo evento de chuva intensa, mesmo que não seja extremo, encontra um ambiente já vulnerável, o que acelera transbordamentos, enxurradas e inundações generalizadas.

Além disso, o El Niño costuma potencializar temporais severos, com núcleos convectivos de curta duração, mas capazes de despejar grandes quantidades de água em poucas horas, o tipo de cenário que gera enxurradas violentas em áreas urbanas e rurais.

Mesmo sem El Niño podem ocorrer enchentes, mas as maiores costumam ocorrer sob a sua influência, casos de 1941 e 2024. Em junho deste ano, com o Pacífico numa fase neutra, o Rio Jacuí igualou a marca da cheia de 1941 em Cachoeira do Sul, que é apenas superada pela de maio de 2024.

Isso é uma evidência de que enchentes grandes podem acontecer mesmo sem o fenômeno atuando e que o aquecimento do planeta pode estar favorecendo chuvas extremas e enchentes de maior proporção mesmo sem o fenômeno presente.

Com o El Niño presente, sob este cenário de aquecimento planetário, o risco de enchentes graves se torna ainda maior, o que explica o porquê de três das cinco maiores cheias do Guaíba em Porto Alegre no período 1940-2025 terem ocorrido em intervalo de apenas nove meses entre 2023 em 2024.

O que é El Niño?

O Pacífico equatorial tem três fases: El Niño (quente), neutralidade e La Niña (fria). Em condições normais no Pacífico, os ventos alísios sopram para Oeste ao longo do equador, levando água quente da América do Sul para a Ásia. Para substituir essa água quente, a água fria sobe das profundezas em processo chamado ressurgência.

Durante o El Niño, os ventos alísios enfraquecem e a água quente é empurrada para Leste, em direção à costa Oeste das Américas, notadamente Peru e Equador.

Existem dois tipos principais de El Niño, o costeiro e o clássico (canônico). No costeiro, a água do mar aquece muito juntos aos litorais equatoriano e peruano.

Desde fevereiro um evento costeiro está em curso, trazendo inundações nos dois países. É um episódio de escala mais regional. Já o El Niño na sua forma clássica é marcado por um aquecimento mais abrangente na faixa equatorial do Pacífico e suas consequências são globais. É o que a maioria conhece, está em formação e vai marcar os próximos meses.

El Niño significa menino em Espanhol. Os pescadores sul-americanos notaram pela primeira vez períodos de água excepcionalmente quente no Oceano Pacífico por volta de 1600. O nome completo que eles usaram foi El Niño de Navidad (Natal), porque o El Niño normalmente atinge o pico por volta de dezembro.

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