El Niño costeiro está presente nos litorais do Peru e do Equador neste fim de março com anomalias de temperatura da superfície do mar que chegam a +5ºC em alguns pontos da costa. Aquecimento oceânico é o mais intenso desde o El Niño costeiro de 2017 e deve se estender ao Pacífico Central com a formação de um El Niño clássico | NASA

Um episódio de El Niño costeiro se formou no Oceano Pacífico Equatorial nas costas do Peru e do Equador no primeiro evento desta natureza desde 2017. Os efeitos já são sentidos nos dois países com chuva extrema, alteração do equilíbrio do ecossistema marinho nas costas e grandes deslizamentos de terra.

O setor mais a Leste do Oceano Pacífico Equatorial, perto das costas do Peru e do Equador, registra um forte aquecimento desde fevereiro e que se acelerou muito nas últimas semanas. Com isso, instala-se o denominado El Niño costeiro, diferente do chamado El Niño clássico e que pode vir nos próximos meses.

“Já o temos”, disse o meteorologistas peruano Abraham Levy, um dos maiores especialistas no fenômeno ENOS (El Niño e La Niña) e ex-apresentador do tempo na rede nacional de televisão RPP, quando indagado pela MetSul se já se poderia considerar um evento de El Niño costeiro em andamento.

“Os modelos são muito agressivos em estender [o aquecimento] para todo o Oceano Pacífico Equatorial e gerar um importante evento de El Niño”, referiu Levy para a MetSul sobre as projeções dos modelos climáticos que indicam um El Niño clássico e forte se instalando nos próximos meses.

Conforme o Centro Nacional de Previsão do Clima da NOAA, os indicadores oceânicos de La Niña praticamente desapareceram em fevereiro depois de três anos. A La Niña está associada a águas mais frias do que o normal no Oceano Pacífico tropical, mas recentemente as águas aqueceram e muito e na costa do Peru e do Equador.

As anomalias de temperatura da superfície do mar hoje estão em patamar de El Niño costeiro de forte intensidade, embora não haja um evento canônico ou clássico de El Niño ainda, uma vez que o aquecimento não se estendeu ao Pacífico Equatorial Centro-Leste.

NOAA

De acordo com o último boletim da Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera (NOAA), dos Estados Unidos, a anomalia de temperatura da superfície do mar era de 0,0ºC na denominada região Niño 3.4, no Pacífico Equatorial Central, que é usada oficialmente para definir se há um El Niño na forma clássica e de impacto global. O valor está na neutralidade absoluta faixa neutra de -0,4ºC a +0,4ºC.

Por outro lado, a região Niño 1+2, perto das costas do Equador e do Peru, que costuma impactar as precipitações e a temperatura no Sul do Brasil em qualquer época do ano, estava com anomalia de +2,0ºC, em nível de El Niño costeiro forte a muito forte.

O que é o El Niño costeiro e como se diferencia do clássico

O El Niño costeiro, é ​ evento oceânico-atmosférico que consiste no aquecimento anômalo das águas do Oceano Pacífico equatorial nas proximidades das costas sul-americanas, que implica que afeta o clima de países como Peru, Equador e às vezes no Chile. É um fenômeno local que não afeta todo o clima mundial.

É diferente do El Niño na sua forma clássica ou canônica, que é fenômeno climático global de maior dimensão e que consiste no aquecimento anômalo do Pacífico Central e Leste na zona equatorial. Este El Niño clássico é que pode se instalar nos próximos meses. O que agora se instala na costa peruana é o El Niño local.

A Comissão Multissetorial encarregada do Estudo Nacional do Fenômeno El Niño (ENFEN), do Peru, alterou o seu status do sistema de alerta “não ativo” para “vigilância de El Niño costeiro” ante o acentuado aquecimento do Pacífico Equatorial Leste. A comissão prevê a chegada de novas Ondas Kelvin com águas mais quentes nas próximas semanas, o que poderia aquecer ainda mais as costas peruanas com episódios de chuva extrema no país.

Uma vez que tanto o El Niño de impacto global como o El Niño costeiro se dão em seu litoral, o Peru sofre muito com o aquecimento anômalo das águas em sua costa. Por esta razão, os dois fenômenos causam muita apreensão entre os peruanos. O Peru sofreu com chuvas e huaicos (deslizamentos) nos últimos dias com escala em algumas áreas que não se via desde o Super El Niño clássico de 1997/1998 e o intenso El Niño costeiro de 2017.

O intenso El Niño costeiro de 2017 trouxe o maior desastre na região desde o El Niño poderoso de 1997 e 1998. As chuvas se intensificaram a partir do final de janeiro de 2017 e seu maior impacto foi no final de março, durando até abril. No Peru, foram registrados 101 mortos, 353 feridos, 19 desaparecidos, 141 mil desabrigados e quase um milhão de afetados. O Equador teve 16 mortes.

TYPE/GOVERNO DO PERU

TYPE/GOVERNO DO PERU

No Peru, as chuvas aumentaram em todo o país, produzindo chuvas torrenciais e tempestades elétricas que causaram transbordamentos, inundações, deslizamentos de terra, nevascas ou granizo nas montanhas andinas e severos impactos nas costeiras de Tumbes, Piura, Lambayeque, La Libertad, Ancash e Lima. No Equador, as províncias de El Oro, Loja, Azuay e a cidade de Guayaquil foram especialmente afetadas, produzindo chuvas 5 vezes superiores ao normal.

Este evento de El Niño costeiro de 2023 teve seu gatilho um evento da Oscilação de Madden-Julian, uma oscilação associada à instabilidade que circunda o globo pelos trópicos a cada 30 a 60 dias, que teve a maior magnitude na fase 8 (do Hemisfério Ocidental) em décadas. Os valores diários de amplitude da OMJ entre os dias 8 e 12 de março foram os mais altos já observados, somente perdendo para 16 e 17 de março de 2015, precedendo o Super El Niño daquele ano.

Ademais, houve um evento chamado de Westerly Wind Burst (WWB), ou numa tradução livre de Estouro de Vento de Oeste, que colaborou para que águas mais quentes atingissem a superfície do oceano, gerando o súbito e acelerado aquecimento do mar na costa peruana. Este tipo de ocorrência (WWB) costuma ser a largada de episódios de El Niño na sua forma clássica e de repercussão global.

Um “estouro de vento de Oeste” é um fenômeno comumente associado a eventos de El Niño, em que os típicos ventos alísios de Leste a Oeste ao longo do Pacífico equatorial mudam para Oeste a Leste. A literatura define como ventos sustentados de ao menos 25 km/h de Oeste durante período de 5 a 20 dias.

Peru e Equador já sofrem os efeitos

Chuvas intensas, inundações, aluviões (huaicos), deslizamentos de terra e outros fenômenos continuam afetando 16 regiões do Peru. Nas últimas semanas, observou-se um aumento no fluxo dos rios, transbordamentos, inundações, além de deslizamentos. Nas regiões costeiras Norte e central, as intensas chuvas associadas ao ciclone Yaku deixaram centenas de localidades afetadas e milhares de peruanos desabrigados.

OCHA/ONU

O Serviço Nacional de Meteorologia e Hidrologia (Senamhi) alertou que as chuvas de intensidade moderada a extrema continuarão ocorrendo nas próximas semanas, principalmente na costa e planalto peruanos. Um total de 3.707.063 milhões de peruanos correm risco alto e muito alto de deslizamentos de terra, informou o Centro Nacional de Estimativa, Prevenção e Redução de Riscos de Desastres (Cenepred).

Os volumes de chuva já superam os do El Niño costeiro de 2017 em algumas áreas. A região de Piura é uma das mais afetadas. Tumbes, Piura e Lambayeque entraram em emergência nível 5 devido às fortes chuvas O Conselho Nacional de Gestão de Riscos de Desastres (Conagerd), em reunião extraordinária que contou com a presença da presidente Dina Boluarte, alertou para os riscos associados às chuvas contínuas no norte do Peru.

No Equador, os efeitos do El Niño costeiro também se fazem sentir. Ao menos 16 pessoas morreram em um deslizamento de terra no Sul do país, provocado pelas intensas chuvas registradas no país desde janeiro, informou a Secretaria Nacional de Gestão de Riscos (SNGR) nesta segunda-feira (27).

Foto aérea de um deslizamento de terra em Alausi, Equador. O país andino vem sofrendo com chuvas extremas causadas pelo forte aquecimento das águas do Pacífico Equatorial Leste em evento conhecido como El Niño costeio. | MARCOS PIN/AFP/METSUL METEOROLOGIA

O deslizamento, que ocorreu na noite de domingo em Alausí, província de Chimborazo, também deixou sete desaparecidos, 16 feridos, cerca de 500 desabrigados e dezenas de casas soterradas pela lama, segundo o boletim. Desde janeiro, as fortes chuvas deixaram 22 mortos e 346 desabrigados no Equador, e mais de 6.900 casas foram afetadas, e 72, destruídas, segundo a SNGR.

As províncias mais afetadas são as costeiras de Manabí, Guayas, Santa Elena, El Oro Santo Domingo de los Tsáchilas e Los Ríos, e as andinas de Cotopaxi, Bolívar e Chimborazo. Na semana passada, as chuvas e um terremoto que deixou 15 mortos obrigaram o governo a declarar estado de emergência por 60 dias em mais da metade do país, a fim de mobilizar recursos econômicos para atender os desabrigados.  Em fevereiro, as chuvas levaram à suspensão, por cinco dias, da extração de petróleo bruto, porque um oleoduto estava em perigo pela queda de uma ponte.

El Niño costeiro tem reflexos no Sul do Brasil

Embora não receba grande atenção por aqui, eventos de El Niño costeiro impactam o Sul do Brasil. No verão de 2017, o Pacífico Central estava mais frio do que a média e o grande temor entre os produtores do Sul do país era de um verão de estiagem, mas na virada do ano se iniciou na costa peruana um surpreendente evento de El Niño costeiro que resultou em um verão mais chuvoso com uma grande safra.

Uma vez que a condição do Pacífico Central é de neutralidade, sem Niño ou Niña, e neutralidade é não raro confundida com normalidade, muitas previsões indicam um outono de condições próximas das médias históricas, mas no entendimento da MetSul o evento de El Niño costeiro tem potencial para fazer o outono climático muitíssimo mais quente do que o normal e com alguns extremos de precipitação.

Modelos climáticos e muitas previsões no mercado indicavam todo o Rio Grande do Sul com chuva abaixo da média em março, mas, como a MetSul antecipava, parte do estado termina o mês com chuva acima da média. O mesmo deve ocorrer em abril com precipitação acima do que os modelos de clima têm indicado.

Será a partir de maio que o aquecimento do Pacífico terá os seus reflexos mais sentidos na chuva no Sul do Brasil com episódios de precipitação mais volumosa e talvez até excessivos. Durante o inverno e a primavera, desta vez pelo El Niño clássico, projeta-se excesso de chuva e numerosos episódios de cheias de rios e enchentes.