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Uma chuva extraordinária atingiu o Centro-Sul do Texas nas primeiras horas de sexta-feira, matando ao menos 32 pessoas, muitas delas crianças em um acampamento, e deixando dezenas de desaparecidos. A previsão era de risco de alagamentos e inundações, mas não da magnitude que aconteceu.

ERIC VRYN/GETTY IMAGES NORTH AMERICA/AFP/METSUL

Dados do radar, medições de chuva e alertas do Serviço Nacional de Meteorologia indicam que a tragédia foi provocada por condições atmosféricas excepcionais, com grandes volumes de umidade vindo do Golfo do México.

Diferentemente de tempestades típicas de verão, que passam rapidamente, o sistema estacionou sobre a região. Assim, as mesmas áreas receberam pancadas de chuva por horas consecutivas, provocando enxurradas devastadoras.

“A destruição é catastrófica”, afirmou o policial Jonathan Lamb, da cidade de Kerrville. “É a pior enchente que já vimos.” A catástrofe ocorreu num contexto de mudanças climáticas, agravadas pelo aquecimento global.

O ar mais quente retém mais umidade, e os oceanos aquecidos evaporam mais água. Isso alimenta chuvas intensas como as que devastaram o Texas. As tempestades ainda persistiam no sábado.

Na manhã de sábado, a chuva caía em volumes superiores a 120 mm por hora nas regiões de Austin e San Antonio. Autoridades evacuaram prédios às margens do rio San Gabriel, que subia rapidamente.

Entre quinta-feira e a madrugada de sexta, caíram entre 250 mm e 380 mm de chuva em parte do condado de Kerr, ao oeste de Austin. Essa região recebe em média isso ao longo de quatro meses, não em quatro horas.

A localidade de Hext registrou 82 mm em uma hora; Mason, 66 mm entre 5h10 e 6h10; Brady Creek, 135 mm em duas horas. Toda essa água escoou para poucos rios, que rapidamente transbordaram.

O rio Guadalupe subiu de dois para quase nove metros em poucas horas na cidade de Hunt, sua segunda maior marca registrada, superando a enchente histórica de 1987. Uma situação jamais vista por muitos moradores.

Estima-se que mais de 6,8 trilhões de litros de chuva tenham caído sobre o Texas Hill Country e o Planalto Edwards apenas na manhã de sexta-feira, segundo estimativas baseadas em dados do NOAA.

Na quinta-feira, os meteorologistas já observavam risco de tempestades que se repetem sobre a mesma área. Uma área de baixa pressão atuava como redemoinho, puxando umidade tropical do Golfo.

Os modelos da NOAA indicaram que a tempestade Barry, que se dissipou dias antes no México, deixou uma massa de ar extremamente úmida que ficou sobre a região, elevando muito os valores de vapor d’água no ar.

Na tarde de quinta, o escritório meteorológico de San Angelo alertou que a combinação da umidade com o sistema poderia provocar chuva torrencial. Porém, era difícil prever a intensidade e o local exato do fenômeno.

A previsão indicava 20 mm a 50 mm de chuva generalizada, com possibilidade de até 120 mm em faixas isoladas. Os meteorologistas estavam atentos, mas a dimensão do que viria ainda era incerta naquela noite.

Somente às 4h26 da madrugada, os meteorologistas de San Angelo postaram no Facebook: “Esta é uma situação de risco à vida. Entre 150 mm e 250 mm de chuva já caíram e mais 70 mm a 100 mm são esperados até o amanhecer.”

Um pluviômetro em Mason County registrou mais de 450 mm de chuva em 24 horas. A quantidade de umidade na atmosfera estava entre os 0,5% mais altos já registrados no estado, algo extraordinário na climatologia local.

Cada coluna de ar continha cerca de 57 mm de umidade disponível. Isso significa que as nuvens podiam despejar muita chuva e, com a atmosfera sendo constantemente alimentada, as nuvens se reabasteciam.

RONALDO SCHEMIDT/AFP/METSUL

O diretor da Defesa Civil do Texas, W. Nim Kidd, criticou o Serviço Nacional de Meteorologia por não prever a quantidade real de chuva. Mas o sindicato dos meteorologistas defendeu a atuação dos profissionais.

Segundo o sindicato, os escritórios de San Angelo e Austin-San Antonio tinham estrutura adequada e agiram de forma rápida e responsável, emitindo avisos com antecedência e alertas durante a madrugada.

No entanto, esses escritórios também enfrentam desafios. Em Austin, faltavam dois dos 13 meteorologistas previstos e dois cargos de chefia, incluindo o de coordenador de avisos. Isso pode afetar a comunicação de riscos.

Em San Angelo, a situação é semelhante. Falta o meteorologista-chefe e há uma vaga em aberto. Ainda assim, os alertas foram emitidos e os sistemas de notificação de emergência foram acionados em tempo real.

A NOAA, agência à qual pertence o serviço meteorológico dos Estados Unidos, não comentou as críticas sobre o déficit de pessoal e as falhas na previsão. O problema não é exclusivo do Texas e se repete em outros estados.

Ao todo, os EUA contam com mais de 100 escritórios regionais do Serviço Nacional de Meteorologia, responsáveis por lançar balões meteorológicos, emitir previsões e publicar avisos de tempo severo para cada região.

A tragédia remete à enchente de 1987 na mesma região, quando 10 adolescentes morreram e 33 ficaram feridos ao tentar sair de um acampamento cristão. A água do rio Guadalupe subiu rapidamente e arrastou veículos.

A semelhança entre os episódios, quase 40 anos depois, chama atenção para a vulnerabilidade da região. Os mesmos rios e as mesmas falhas estruturais parecem ter contribuído para a repetição de uma catástrofe.

ERIC VRYN/GETTY IMAGES NORTH AMERICA/AFP/METSUL

O caso reacende o debate sobre a preparação das cidades para eventos climáticos extremos. As mudanças no clima, aliadas à ocupação urbana desordenada, estão tornando eventos raros em tragédias recorrentes.

Meteorologistas dizem que o evento de sexta é um exemplo claro de como a crise climática torna a atmosfera mais propensa a eventos extremos. E alertam que episódios assim devem se tornar mais frequentes no futuro.

Os moradores do centro do Texas agora enfrentam a dor da perda e o desafio da reconstrução. Em Kerr County, onde se concentram as mortes, famílias procuram por desaparecidos entre destroços e lama.

Autoridades continuam as buscas por sobreviventes. E meteorologistas mantêm alertas, temendo que a chuva que ainda cai possa agravar uma situação já crítica em rios e córregos que ainda estão acima do nível normal.

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