Center for Disease Control/Divulgação

​O coronavírus que se espalha pelo mundo surgiu no final de 2019 na província de Hubei, na China, e por ser uma nova patologia ainda traz mais dúvidas do que respostas. O esforço de cientistas é frenético ao redor do planeta para entender o SARS-CoV-2 (Severe Acute Respiratory Syndrom – Coronavirus 2) que é causador de uma síndrome respiratória aguda, semelhante à causada pelos coronavírus da SARS (2002/2003) e da MERS (2012/2013), e que foi denominada de Covid-2019 pela Organização Mundial da Saúde.

Uma das incógnitas que cerca o novo vírus é como ele se comporta com temperatura e umidade em climas diferentes. Temperatura mais elevada em regiões como a América Central e Caribe, grande parte da América do Sul e da África, o Sudeste Asiático e a maioria das regiões da Austrália poderia atenuar uma maior disseminação do vírus?

E a chegada do tempo mais quente na primavera e no verão do Hemisfério Norte poderia reduzir o número de casos em vários países que testemunham o rápido alastramento do vírus?

Xinhua/Fei Maohua

Não há consenso na comunidade científica e as opiniões são extremamente divergentes acerca da influência do clima no SARS-CoV-2. A ciência já provou que a gripe (que é trazida pelo vírus do tipo Influenza), enfermidade diferente e menos grave que a Covid-2019 a despeito da semelhança nos sintomas iniciais, apresenta uma forte influência da sazonalidade com as trocas das estações e o pico de casos ocorrendo nos meses de frio, e a diminuição significativa dos casos no verão em países de clima temperado ao passo que em áreas tropicais os casos se distribuem de forma semelhante ao longo do ano com aumento nos períodos mais chuvosos. Vírus se proliferam mais no inverno enquanto que bactérias tendem a crescer mais no verão.

Não apenas a temperatura, contudo, é estudada pelos cientistas. A umidade, também. E para muitos especialistas, a umidade relativa do ar seria mais importante que as condições de temperatura. Spencer Fox, cientista de dados que publicou um trabalho acerca da sazonalidade da gripe, observa que a umidade do ar influencia em quanto tempo o vírus permanece no ar após chegar ao ambiente pela tosse ou um espirro. Os vírus resistem no ar mais sob ar seco, e isso ajudaria a explicar o salto de casos de gripe nos meses de inverno em que as pessoas ficam dentro de prédios com calefação em que o ar é muito seco.

Apesar de ainda pouco compreendida, o Dr. Stefan Baral, professor de epidemiologia da John Hopkins, em Baltimore, especula que o comportamento sob dias mais quentes será a causa primária de uma redução dos casos do novo coronavírus em países do Hemisfério Norte. “A medida que nos encaminhamos para temperatura mais alta e as pessoas estão mais ao ar livre, espero que haja uma redução natural, tal como ocorre em outras infecções do trato respiratório”, diz.

Thomas Jaenisch, professor de epidemiologia, na Universidade do Colorado, destaca a importância da umidade relativa do ar. Segundo Jaenisch, tempo seco e quente é melhor correlacionado à interrupção da epidemia. “É baseado em pura Física. Quanto tempo as gotas expelidas pelas vias aéreas pela tosse ou espirro podem permanecer no ar e não caírem? Depende dos tamanhos, a temperatura ambiente e a umidade. A idéia é que quando está seco e quente as gotas caem mais rapidamente enquanto com frio e alta umidade elas permanecem no ar mais tempo e podem ser absorvidas pelo ser humano”, explica. “Mas não sabemos o suficiente ainda deste vírus para sacar conclusões”, adverte Jaenisch.

Ke Hao/China Daily

Outro pesquisador que acredita que a temperatura mais alta que está vindo durante os próximos meses no Hemisfério Norte ajudará a diminuir os casos de contágio em países setentrionais é o professor de patologia da Universidade de Hong Kong John Nicholls. De acordo com o estudioso, as condições do tempo serão decisivas para a redução dos casos. Ele diz que com 4ºC ou 10ºC de temperatura o vírus pode ficar intacto por mais tempo, porém com 30ºC haverá inativação. Com alta umidade, o processo é ainda mais rápido, diz. “O vírus odeia luz solar, temperatura alta e umidade elevada”, segundo Nicholls.

Ian Lipkin, diretor do Centro de Infecção e Imunidade da Universidade de Columbia, que também está envolvido nas pesquisas do coronavírus, afirma também que a luz solar, menos abundante no inverno, é uma inimiga do coronanavírus porque quebra o vírus em superfícies. “A luz UV quebra o ácido nucleico. Quase esteriliza as superfícies”, diz. A luz UV é tão efetiva em matar vírus e bactérias que frequentemente é usada em hospitais em processos de esterilização.

Em uma entrevista ao canal alemão Deutsche Welle, o virologista da Universidade de Hamburgo Thomas Pietschmann informou que o coronavírus não é muito resistente ao clima quente e que o vírus se desintegra quando a temperatura se eleva. Um estudo da Alemanha publicado no Journal of Hospital Infection destaca que coronavírus é capaz de sobreviver por dias em superfícies com temperatura do ar de até 25ºC.

O trabalho de estudiosos alemães revelou que um coronavírus humano persiste por até cinco dias em superfícies de teflon, cerâmica ou ferro sob 21ºC e que o vírus da SARS (muito semelhante geneticamente ao SARS-CoV-2) sobreviveria sobre superfícies de plástico por mais de cinco dias com temperatura ambiente entre 22ºC e 25ºC. Entre os especialistas, há quem sustente que o novo vírus pode resistir de horas a nove dias em superfícies, dependendo das condições ambientais, enquanto o Influeza da gripe resistiria em média entre 24 e 48 horas.

A polêmica cresce com as afirmações do Dr. Edsel Maurice Salvana, diretor do Instituto de Biologia Molecular e Biotecnologia da Universidade das Filipinas, para quem esta crença de que existe correlação entre o clima de uma região e a taxa de disseminação do vírus é um “mito”. Segundo Salvana, a temperatura pode influenciar na inativação sobre superfícies, mas não afetará no contágio de pessoas alcançadas por gotículas oriundas de tosse ou espirro de terceiros.

O SARS-CoV-2 pode ter um ponto de temperatura em que ele se espalha mais rápido, mas os autores sustentam que não se pode antecipar que o novo vírus vai se comportar como outros, como o da gripe. Trabalho publicado pela Universidade de Guangzhou, na China, procurou estabelecer como a disseminação do vírus pode ser influenciada pelas mudanças de estações e a temperatura. Publicado no mês passado, mas ainda esperando revisão (peer-review), o estudo sugere que o calor tem um efeito significativo em como o vírus se comporta. O estudo sustenta que o vírus é muito sensível à alta temperatura e que se espalha com maior facilidade em climas frios.

Uma outra pesquisa, entretanto, do epidemiologista Marc Lipstich da Escola de Saúde Pública de Harvard, enfatiza que o novo coronavírus pode ter transmissão sustentada em uma variedade de condições meteorológicas. “O tempo sozinho, seja pelo aumento da temperatura ou da umidade na primavera e no verão não levará a um declínio de casos e somente extensas intervenções de saúde pública poderão trazer uma queda”, conforme o estudo.

Xinhua/Reprodução

A equipe de Guangzhou baseou o seu estudo em cada caso confirmado do SARS-CoV-2 no mundo entre 20 de janeiro e 4 de fevereiro, incluindo mais de 400 cidades chinesas. Os dados foram integrados a um modelo matemático com os dados meteorológicos de janeiro de todo a China e das capitais dos países que reportaram casos. A análise dos cientistas chineses mostrou que a disseminação é maior com temperatura de 8,72ºC, mas que acima desta marca diminui. Afirma ainda que o tempo pode ter tido um papel na queda do número de casos em Wuhan, a cidade chinesa que foi o epicentro da crise e teve os primeiros casos.

Hassan Zaraket, professor e integrante do Centro de Pesquisa de Doenças Infecciosas da Universidade Americana de Beirute, no Líbano, acredita ser possível que o clima mais quente e úmido possa contribuir para um menor alastramento, porque faria o vírus menos estável e transmissível, entretanto pondera que “ainda estamos aprendendo sobre esse vírus”.

Um time de cientistas da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, liderado pelo pesquisador Mohammad Sajadi, em parceria com a Global Vírus Network (GVN) e que incluiu cientistas iranianos das universidades de Teerã e Shiraz, publicou dias atrás trabalho intitulado “Temperature and Latitude Analysys to Predict Potential Spread and Seasonality for COVID-19”. Segundo o estudo, é possível a partir da análise de modelos meteorológicos, com previsões de temperatura e umidade relativa do ar, identificar quais são as áreas de maior risco de propagação do novo coronavírus nas semanas seguintes.

Os pesquisadores concluíram que todas as regiões hoje enfrentando as piores situações de alastramento do coronavírus possuem condições climáticas de inverno muito semelhantes como Wuhan, Coréia do Sul, Japão, Irã, o Norte da Itália e Washington, nos Estados Unidos. Foram usados dados de temperatura média entre dezembro de 2019 e fevereiro de 2020 dos locais com casos e cruzados com os boletins epidemiológicos.

Eles traçaram uma faixa de maior risco no Hemisfério Norte que corresponderia a todas as regiões entre 30ºN e 50ºN. No Hemisfério Sul, esta mesma faixa incluiria as regiões de Porto Alegre para o Sul (áreas de maior altitude do Sul do Brasil tem médias de temperatura inferiores às localizadas em 30ºS) até Ushuaia, a África do Sul, parte da Austrália e Nova Zelândia.

“Baseado no que observamos, o vírus parece ter maior dificuldade em se espalhar nos locais de clima quente tropical”, observou Sajadi. “Além da variabilidade climática, outros elementos como densidade populacional, fatores humanos, evolução genética do vírus e patogênese devem ser considerados”, destaca o cientista Rober Gallo, renomado especialista em vírus e um dos nomes mais respeitados da comunidade internacional pelo trabalho realizado no surgimento do HIV/SIDA.

Outro trabalho médico publicado nos últimos dias, em 10 de março, com o título “High Temperature and High Humidity Reduce the Transmission of COVID-19” foi assinado por cientistas de diversas universidades da China e liderado por Jingyuan Wang, que é da Universidade de Pequim. É mais um grupo de pesquisadores a defender a tese de que o clima influencia na transmissão do coronavírus. Analisando dados epidemiológicos de mais de 100 cidades chinesas, eles concluíram que número reprodutivo do vírus (R), isto é quantas pessoas são infectadas por cada indivíduo com o vírus, diminui sob temperatura mais alta e umidade mais elevada.

O número R do novo vírus é estimado entre 3 e 4, o que significado que cada pessoa com o SARS-CoV-2 pode infectar outras três a quatro. Para os cientistas autores do estudo, o aumento da temperatura em 1ºC e da umidade em 1% reduz o número R em 0,0383 para temperatura e 0,0224 para umidade. Mais quente e úmido, menor potencial de contágio e menos casos.

A Organização Mundial de Saúde, porém, urge  cautela sobre a teoria de que temperatura mais alta e umidade mais alta podem reduzir o alastramento do vírus. O diretor executivo do programa de emergências de saúde da OMS Mark Ryan pediu que as pessoas não assumam a idéia que o calor vai frear o vírus. “É uma falsa esperança que vai desaparecer como a gripe”, alertou.