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Há exatamente um ano atrás, em 5 de maio de 2024, durante a madrugada, o nível do Guaíba atingia o maior valor já observado na história de mais de 250 anos da cidade de Porto Alegre, no auge da enchente catastrófica que atingiu a capital gaúcha.

GUSTAVO MANSUR/SECOM-RS

O Serviço Geológico do Brasil (SGB) publicou no ano passado um estudo sobre as cotas máximas alcançados durante a maior cheia da história do Guaíba e o pico que irá para a história é de 5,13 metros.

De acordo com o levantamento, a maior marca foi de 5,37 metros, registrada no dia 5 de maio na estação Cais Mauá C6, operada pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SEMA-RS).

No Cais Central do Porto da Avenida Mauá, o nível máximo medido foi de 5,13 metros. Este é o ponto usado como referência histórica para comparação com as grandes cheias anteriores, como a de 1941 que alcançou 4,76 metros.

A diferença entre as cotas se deve à variação do nível do Guaíba ao longo de sua extensão. O estudo, intitulado “Avaliação Indireta do Nível Máximo do Guaíba na Região Central de Porto Alegre”, foi realizado em parceria com a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e apoio do Exército Brasileiro.

A medição foi feita por meio de nivelamento geométrico, técnica que padroniza os pontos de referência a partir de um marco altimétrico, neste caso localizado no armazém A7, na Praça da Harmonia.

O valor de 5,12 metros encontrado no estudo do Serviço Geológico Brasileiro (SGB) é corroborado pelos dados de uma estação de medição da empresa TideSat, instalada perto do pórtico central do cais, que anotou um pico de 5,15 metros na madrugada do dia 5 de maio de 2024.

Foi esta estação que a MetSul Meteorologia utilizou para comunicar ao público  e aos meios de comunicação os dados do Guaíba, uma vez que era o único ponto de medição operacional no local que serve de referência histórica para enchentes e porque a régua emergencial do Gasômetros apresentava valores muito dispares do Cais Central que é o ponto usado na estatística e em toda a literatura técnica.

Conforme os dados da régua eletrônica da Tidesat, que pela tecnologia empregada não teve os sensores destruídos como ocorreu na régua do Cais C6, pouco antes de começar o dilúvio no Rio Grande do Sul o nível do Guaíba estava muito perto da normalidade.

Na manhã do dia 26 de abril de 2024, o nível do Guaíba estava em apenas 0,94 metro no Cais Central da Avenida Mauá. Na manhã do dia seguinte, o nível havia subido para 1,02 metro, mas ainda dentro de um padrão normal. Na manhã do dia 28, a cota atingia 1,35 metro, ainda perto do normal para maio. No dia 29, o Guaíba até recuou e os dados mostraram de manhã 1,25 metro.

O cenário começaria a mudar no dia 30 à medida que começava a ingressar na foz do Jacuí o grande volume de água ocorrido nos rios contribuintes nas 48 horas a 72 horas anteriores. De manhã, o Guaíba atingia 1,40 metro e no final do dia batia em 1,65 metro.

Foi o começo de maio que trouxe um aumento dramático do nível do Guaíba com a chegada de uma vazão extraordinária dos rios contribuintes como Jacuí, Taquari-Antas, Caí, Sinos e Gravataí. A vazão era imensa chegando dos rios Jacuí e Taquari, os principais contribuintes.

Na manhã do dia 1º de maio, o nível havia subido para 1,90 metro, mas ainda estava mais de um metro abaixo da cota de transbordamento no cais de 3,00 metros. Já na manhã do dia 2, a cota observada dera um salto e passava de 2,70 metros. Na tarde do dia 2, o Guaíba subia de forma acelerada e rompeu a cota de transbordamento.

Na manhã do dia 3, quando as águas começaram a inundar o Centro de Porto Alegre e o Quarto Distrito, com o sistema das casas de bombas em colapso, o nível do Guaíba passava dos 4 metros e ainda subia rapidamente. À tarde, chegou aos 4,50 metros. E, no fim do dia, quando a inundação avançou rapidamente, a cota batia mais de 4,70 metros.

LAURO ALVES/SECOM-RS

O nível de 5,00 metros foi rompido na manhã do dia 4 de maio de 2024, o sábado em que Porto Alegre se transformou numa zona de guerra com inundação atingindo uma extensa área da cidade e pessoas sendo resgatadas em vários bairros. A água ainda subia, agora mais lentamente, até atingir o pico de 5,15 metros na régua eletrônico (5,12 metros na medição do estudo do SBG) no começo do dia 5.

GUSTAVO MANSUR/SECOM-RS

GUSTAVO MANSUR/SECOM-RS

A enchente ainda duraria semanas em Porto Alegre. O nível do Guaíba somente voltaria a cair abaixo da cota de transbordamento no Cais Central de 3,00 metros no começo da madrugada de 1º de junho.

Ocorre que no dia 3, por conta de vento Sul, novamente superaria a cota de 3,00 metros no cais, baixando logo em seguida. O nível apenas baixaria da cota de cheia de 2,00 metros em 12 de junho.

Como está o Guaíba um ano depois do pico da enchente

Em um enorme contraste com um ano atrás, quando a enchente atingia o seu pico em Porto Alegre, o nível do Guaíba tem estado abaixo do que é normal para esta época do ano, sequer alcançando a marca de 1,00 metro no Cais Central da Avenida Mauá.

TIDESAT

No começo do dia 5 de maio de 2025, exatamente um ano depois do pico da cheia de 5,12 metros, a régua eletrônico da empresa Tidesat indicou um nível de 0,68 metro, ou seja, cerca de 4,5 metros abaixo do pico observado na mesma data um ano antes.

O nível médio histórico do Guaíba em Porto Alegre, conforme a base de dados do antigo SPH, é de 0,87 metro. Ou seja, o nível neste começo de maio estava ao redor ou pouco abaixo dos valores médios históricos.

Há risco de uma nova grande enchente?

A chuva registrada no fim de abril e no começo de maio de 2024 foi extraordinária. Em Porto Alegre, caíram mais de 300 bilhões de litros de água entre 27 de abril e 31 de maio. Em diversas cidades da Serra e do Vale do Taquari, os acumulados passaram de 1.000 mm em 35 dias.

O desastre foi impulsionado por um conjunto de fatores oceânicos e atmosféricos. Em 2024, o El Niño estava em sua fase forte, combinado com um aquecimento recorde do Atlântico Tropical, o que favoreceu o excesso de chuva.

A MetSul destaca que os eventos extremos têm se tornado mais frequentes. Desde 1941, Porto Alegre só teve quatro episódios em que o Guaíba ultrapassou 3 metros. No entanto, entre setembro de 2023 e maio de 2024, isso aconteceu três vezes em apenas nove meses — um padrão anômalo e estatisticamente preocupante.

GUSTAVO MANSUR/SECOM-RS

O aumento da temperatura global também é um fator determinante. O planeta já aqueceu 1,5°C em relação ao período pré-industrial.

Com o ritmo atual de emissões, espera-se que esse aumento chegue a até 4°C nas próximas décadas, o que tornaria enchentes devastadoras como a de 2024 mais frequentes.

Modelos climáticos apontam que o risco de desastres no estado cresce significativamente durante eventos de El Niño fortes a intensos. A cheia de 2024, por exemplo, ocorreu com um El Niño muito forte, assim como na enchente de 1941.

ANSELMO CUNHA/AFP/METSUL

CARLOS FABAL/AFP/METSUL

Sem esse fenômeno em curso, como agora, o risco é bastante reduzido — mas não eliminado, já que enchentes também ocorrem com La Niña ou neutralidade. Estudos, ademais, indicam que a recorrência de grandes cheias pode diminuir com o agravamento das mudanças climáticas.

O que antes era esperado para ocorrer em intervalos de um século pode passar a acontecer com frequência muito maior, exigindo mais investimento em prevenção, infraestrutura e políticas públicas.

Como destacou há poucos dias em uma análise especial (leia aqui), a MetSul reforça que a pergunta correta não é se haverá uma nova grande enchente, mas sim quando isso ocorrerá. E essa resposta é impossível de prever com precisão. O alerta é para que cada episódio futuro de El Niño seja tratado com atenção redobrada, diante do novo contexto climático.

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