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Chuva passou de 200 mm em várias cidades gaúchas com alagamentos | ANDERSON OLIVEIRA

O Rio Grande do Sul experimentou nos últimos sete dias um episódio de chuva como não se via há muito tempo. Todas as regiões do estado registraram acumulados acima de 100 mm. Muitas cidades anotaram volumes superiores a 200 mm. E em algumas a precipitação somou mais de 300 mm. Em apenas uma semana assim, a maior parte dos municípios gaúchos atingiu ou até dobrou a média de precipitação de histórica de maio inteiro.

Rio Grande do Sul foi a área da América do Sul em que os volumes de chuva ficaram mais acima da média na primeira semana de maio | NOAA

Com um episódio potencialmente forte a muito forte de El Niño se aproximando, e se sabendo que o fenômeno costuma trazer muita chuva para o Rio Grande do Sul, obviamente surgiu no público a dúvida se este evento extremo de chuva dos últimos dias no estado já seria efeito do El Niño e o começo das consequências do aquecimento do Pacífico Equatorial no Sul do Brasil.

Então, o Oceano Pacífico neste momento ainda está oficialmente em neutralidade (sem El Niño ou La Niña na sua forma clássica) porque o que determina se há um evento típico de El Niño ou La Niña é a temperatura média no Oceano Pacífico Equatorial Central, na denominada região Niño 3,4.

O que se registra neste momento é um evento de El Niño costeiro, que é diferente do El Niño clássico, como o que se prevê para os próximos meses, com o aquecimento limitado aos litorais do Peru e do Equador, na chamada região Niño 1+2.

O El Niño costeiro é ​ evento oceânico-atmosférico com aquecimento anômalo das águas do Pacífico equatorial nas proximidades das costas sul-americanas, afetando mais Peru, Equador e às vezes o Chile. É fenômeno local que não repercute em todo o clima mundial, diferentemente do El Niño clássico que está vindo nos próximos meses e tem o aquecimento mais amplo no Pacífico Equatorial Centro-Leste.

Assim, não se pode atribuir ao El Niño na sua forma clássica que se antecipa para os próximos meses porque um evento ainda não está configurado, não há El Niño canônico ainda, o que se espera somente ocorra entre os meses de junho e julho. Por outro lado, o processo que levará a sua formação e já teve início pode, sim, ter influenciado na chuva.

El Niño costeiro atua na costa peruana desde fevereiro | NOAA

Em primeiro lugar, é importante separar o que é variabilidade natural e influência de El Niño. Independentemente do que ocorre no Pacífico, eventos extremos de chuva podem ocorrer no mês de maio. No começo da semana passada uma frente fria chegou ao Rio Grande do Sul e ficou semi-estacionária por dias sobre o estado, despejando água, sob configuração de bloqueio atmosférico associado a um Vórtice Ciclônico em Altos Níveis (VCAN) junto ao Sudeste do Brasil e pela influência da Alta Pressão Subtropical do Atlântico Sul (ASAS).

No ano passado, por exemplo, nesta mesma época, com La Niña, Santa Catarina registrou um episódio de chuva extraordinária com emergência em diversos municípios. Voltando mais no passado, em maio de 2008 o Rio Grande do Sul enfrentou chuva com volumes altíssimos na primeira semana do mês por conta de um intenso ciclone. Houve enchentes em várias bacias e na zona Sul de Porto Alegre chegou a chover mais de 200 mm em pouco mais de trinta horas. Não havia El Niño e o Pacífico estava mais frio do que a média.

Ciclone da primeira semana de maio de 2008 trouxe muita destruição pelo vento e volumes extremos de chuva no Rio Grande do Sul | ARQUIVO METSUL/CP MEMÓRIA

Portanto, estes eventos de chuva muito volumosa podem ocorrer em maio com ou sem El Niño e às vezes até com La Niña, mas isso não significa que o aquecimento em curso no Pacífico não tenha tido influência neste episódio desta primeira semana de maio. A atmosfera é bastante complexa e caótica e múltiplos fatores podem se sobrepor, mesmo com sua origem distante, para determinar um evento meteorológico.

É sabido que o El Niño costeiro – que insistimos é diferente do El Niño clássico – na costa peruana leva mais umidade para a região amazônica, de onde partiu o rio atmosférico que garantiu umidade para a chuva dos últimos dias no Rio Grande do Sul. Nesse sentido, a chuva que se abateu sobre o território gaúcho ocorreria com ou sem o El Niño costeiro, mas o fenômeno na costa peruana pode ter contribuído para torna-lo mais intenso.

Nos próximos meses, com a atuação desta vez do El Niño clássico, com o aquecimento das águas irradiado pela faixa equatorial do Pacífico, frequentes eventos extremos de chuva como deste começo de maio devem ser esperados no Sul do Brasil. O potencial destes episódios de chuva excessiva será ainda maior se confirmado um evento de Super El Niño, como sugerem vários modelos de clima.