A cobertura de gelo marinho na Antártida nunca esteve em níveis tão baixos e os números intrigam os cientistas. O que está acontecendo? Os efeitos do aquecimento do planeta se acentuam no continente gelado? Há o risco de uma repetição do Ártico que aquece três vezes mais que a média mundial?

DAN BEECHAM/UNIVERSITY OF HAMBURG/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Os cientistas ainda não têm todas as respostas, mas apenas os números. E o que eles mostram causam o temor de que as mudanças climáticas possam, enfim, estar atingindo o extremo Sul do planeta com força que ainda não tinha sido documentada.

A Antártida tem ciclo anual de gelo marinho. Um período de pico e outro de baixa, segundo as estações do ano. O gelo do mar cresce durante o inverno antártico, que vai de junho a agosto, e então recua derretendo e se quebrando no verão, que vai de dezembro a fevereiro.

A extensão do gelo no mar normalmente atinge pico de cerca de 19 milhões de quilômetros quadrados entre setembro e outubro no máximo anual, e depois diminui para cerca de 3 milhões entre os meses de fevereiro e março no mínimo anual. Esse processo se repete todos os anos.

Agora, neste começo de junho, primeiro mês do inverno no Hemisfério Sul, o gelo no mar segue a sua tendência normal de aumentar, mas o que existe de diferente neste ano e intriga a ciência é a sua extensão atual que está muito abaixo do normal: quase dois milhões de quilômetros quadrados abaixo da média para esta época do ano.

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“Parece que será um inverno com menos gelo marinho, e se for assim, isso significa um recuo precoce e então uma chance mais provável de outro verão com menos gelo no mar outra vez”, disse Ryan Fogt, cientista do clima antártico da Universidade de Ohio, em entrevista ao Wired. “Tem sido esse tipo de padrão nos últimos anos”, afirma.

Sinal de uma nova era na Antártida?

Na última década, a tendência de gelo marinho era oposta entre o Norte e o Sul do planeta. Se no Norte, no Ártico, a curva de tendência mostrava uma diminuição média acentuada do gelo no mar, no Sul, na Antártida, ao contrário, a curva de tendência era de aumento do gelo sobre o mar. Em meados da década passada, a cobertura de gelo marinho bateu até recordes desde o começo das medições por satélite em 1979.

Agora, os dois polos do planeta seguem a mesma tendência com diminuição do gelo marinho. Isso significa que a Antártida entrou em uma nova fase climática? Os cientistas ainda possuem uma resposta para esta pergunta.

Ted Maksym, cientista do clima e oceanógrafo polar da Woods Hole Oceanographic Institution, afirma que “alguns de nós estão especulando que isso pode ser verdade, onde a variabilidade no gelo marinho da Antártida mudou e podemos ver essas extensões baixas de gelo marinho por algum tempo. Estaremos assistindo com a respiração suspensa para ver se vamos continuar tendo esses recordes mínimos ou se realmente vai voltar ao normal”.

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O Ártico experimenta uma redução há muito tempo da sua cobertura de gelo no mar por um fenômeno que os cientistas denominaram de amplificação do Ártico. o derretimento do gelo expõe a água do oceano ou a terra mais escura, que absorve mais energia do sol do que o gelo branco, o que, por sua vez, leva a mais aquecimento.

Na Antártida, o cenário é diferente. O continente polar é quase todo congelado e cercado por oceano aberto, enquanto o Ártico é um oceano de gelo flutuante cercado por terra, como a Rússia, o Alasca e o Norte do Canadá. O gelo da Antártida é isolado, de certa forma, por fortes e frias correntes oceânicas que giram ao redor do continente. Além disso, a Antártida possui muitas áreas altas que garantem maior resfriamento.

Gelo marinho não é gelo continental

É fundamental separar gelo do mar de gelo em terra. O gelo marinho da Antártida, que se forma quando a água do mar congela, é diferente das camadas de gelo e plataformas do continente. Uma camada de gelo repousa sobre a terra e pode ter milhares de metros de espessura. Torna-se uma plataforma de gelo quando começa a flutuar nas águas costeiras.

Embora as camadas de gelo e as plataformas da Antártida tenham se deteriorado com o aquecimento do planeta, o gelo marinho do continente é muito mais sazonal, aumentando e diminuindo dramaticamente entre o inverno e o verão e influenciado não apenas por temperatura, mas também por correntes de vento que sopram com muita força na região.

Perder gelo marinho não aumentará o nível do mar, mas o gelo marinho desempenha papel crítico na proteção do gelo continental e sobre terra firme da Antártida. Uma das áreas que os cientistas mais prestam atenção é a geleira Thwaites, também conhecida como Geleira do Fim do Mundo (foto).

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Se essa gigantesca massa de gelo colapsar e derreter, o seu derretimento pode aumentar o nível do mar em até três metros, inundando, por exemplo, várias capitais e cidades costeiras do Brasil.

O gelo marinho protege Thwaites e várias outras geleiras porque age como um amortecedor, absorvendo a energia dos ventos e das ondas que, de outra forma, as corroeriam. Também esfria o ar que passa sobre as águas costeiras, evitando ainda mais derretimento destas enormes plataformas de gelo.

Impacto em correntes oceânicas

Menos gelo marinho afeta ainda a salinidade do mar e as correntes profundas nos oceanos. “Isso afetará a eficiência com que os oceanos distribuirão energia e, por fim, afetará o clima global”, diz a geógrafa Marilyn Raphael, da UCLA, que estuda a região. “O que acontece na Antártida não fica na Antártida”, resume.

“O oceano profundo está claramente mudando”, alerta Craig Stevens. professor de Física Oceânica do Instituto Nacional de Investigação da Água e da Atmosfera. Segundo ele, isso se dá porque o gelo marinho polar atua como um conector entre a atmosfera, a superfície do oceano e as águas mais profundas. Com menos gelo marinho, há menos água fria, salgada e oxigenada afundando nas profundezas do oceano.

“Essas águas costeiras geladas da Antártida são uma sala de máquinas crucial para as correntes globais que transportam energia ao redor do planeta e o mecanismo de transporte oceânico está mudando agora”, alerta.

Uma das incógnitas do aquecimento dos oceanos, afirma, é como os oceanos se ajustarão e armazenarão todo o calor. O aquecimento da superfície do oceano torna a parte superior mais estável. Isso, por sua vez, muda a forma como o oceano superior absorve o dióxido de carbono.

A dificuldade para os pesquisadores determinarem a melhor forma de responder é que os processos que movem e misturam esse calor operam em escalas muito pequenas. Está além até mesmo de simuladores climáticos mais poderosos de computador para modelar como o calor se espalha, tornando as previsões menos certas.