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Cientistas descobriram que a região de campo magnético enfraquecido sobre o Atlântico Sul — conhecida como Anomalia do Atlântico Sul — aumentou consideravelmente na última década, o que surpreendeu os pesquisadores. O fenômeno chama atenção dos pesquisadores porque essa área, onde a proteção magnética da Terra é mais fraca, está se expandindo desde 2014 e hoje ocupa uma área quase metade do tamanho da Europa.

O campo magnético terrestre é essencial para a vida no planeta. Ele funciona como um escudo invisível que nos protege da radiação cósmica e das partículas carregadas vindas do Sol. Sem essa barreira natural, a atmosfera e até os sistemas elétricos e eletrônicos seriam constantemente danificados.

Esse campo é gerado a cerca de 3 mil quilômetros de profundidade, por uma imensa camada de ferro líquido em movimento no núcleo externo da Terra. O metal em rotação cria correntes elétricas que produzem o campo magnético — um processo semelhante ao funcionamento de um dínamo de bicicleta, embora muito mais complexo.

Desde 2013, a constelação de satélites Swarm, da Agência Espacial Europeia (ESA), vem monitorando com precisão essas variações magnéticas. Os três satélites medem os sinais provenientes do núcleo, do manto, da crosta terrestre e até das camadas superiores da atmosfera.

Com 11 anos de observações contínuas, o Swarm revelou que o campo magnético está se fortalecendo em algumas regiões e enfraquecendo em outras. A área mais fraca, a Anomalia do Atlântico Sul, foi identificada pela primeira vez no século XIX, ao sudeste da América do Sul. Hoje, ela desperta especial atenção porque os satélites que passam sobre a região enfrentam maior exposição à radiação, o que pode causar falhas e danos a equipamentos.

O estudo, publicado na revista Physics of the Earth and Planetary Interiors, mostra que desde 2020 a porção da anomalia localizada a sudoeste da África vem enfraquecendo ainda mais rapidamente.

“A anomalia não é uma área única e uniforme”, explica o professor Chris Finlay, da Universidade Técnica da Dinamarca. “Ela muda de forma diferente perto da África e da América do Sul, e há algo especial acontecendo sob o Atlântico que está acelerando o enfraquecimento.”

Intensidade do campo magnético em 2014 | ESA

Intensidade do campo magnético em 2025 | ESA

Essas mudanças estão ligadas a padrões anormais no limite entre o núcleo líquido e o manto rochoso da Terra, chamados de “pontos de fluxo reverso”. Neles, o campo magnético se comporta de maneira oposta ao esperado — em vez de sair do núcleo, ele entra novamente. Um desses pontos está se movendo para oeste, sob o continente africano, o que contribui para a expansão da anomalia.

Os dados também mostram que o campo magnético não é estático nem simétrico. Enquanto enfraquece sobre o Canadá, ele se fortalece sobre a Sibéria. Essa diferença explica o deslocamento do polo magnético norte em direção à Ásia nas últimas décadas, um movimento que afeta sistemas de navegação em todo o mundo.

Estudo descarta risco na aviação comercial

A Anomalia Magnética do Atlântico Sul provoca níveis significativamente aumentados de radiação ionizante e impactos relacionados em espaçonaves em órbita baixa da Terra, como um aumento correspondente na exposição à radiação de astronautas e componentes eletrônicos na Estação Espacial Internacional.

De acordo com uma lenda urbana, a anomalia também seria supostamente capaz de afetar o campo de radiação na atmosfera, chegando até as altitudes da aviação civil. Para identificar e quantificar quaisquer contribuições adicionais para a onipresente exposição à radiação em altitudes de voo, foram realizadas medições abrangentes atravessando a região geográfica da anomalia a uma altitude de 13 km em uma missão de voo única chamada “Atlantic Kiss”.

De acordo com estudo publicado na prestigiada revista científica Nature, durante o voo da pesquisa não foi encontrada nenhuma indicação de aumento na exposição à radiação, assim a anomalia não expõe nem passageiros nem tripulantes de voos comerciais no Brasil, América do Sul ou Atlântico Sul a maiores índices de radiação cósmica.

“Na verdade, esse resultado não é surpreendente, uma vez que não é conhecido nenhum mecanismo suficientemente eficiente para o transporte de radiação gerada por prótons com energias comuns do cinturão de radiação interno até as altitudes de aviação”, destacam os autores.

“Em resumo, os resultados da missão Atlantic Kiss contribuem para desmentir a lenda urbana de níveis geralmente aumentados de radiação ionizante em altitudes de voo na região geográfica da Anomalia do Atlântico Sul, que causou preocupações desnecessárias entre membros da tripulação e passageiros”, conclui a pesquisa.

O que é a Anomalia Magnética do Atlântico Sul

Ao contrário de Mercúrio, Vênus e Marte, a Terra é cercada por um imenso campo magnético chamado magnetosfera. Gerada por forças dinâmicas e poderosas no centro de nosso mundo, a magnetosfera nos protege da erosão de nossa atmosfera pelo vento solar (partículas carregadas que nosso Sol lança continuamente), erosão e radiação de partículas de ejeções de massa coronal (nuvens massivas de energia e plasma solar magnetizado e radiação), e raios cósmicos do espaço profundo.

A magnetosfera desempenha o papel de guardiã, repelindo essa energia indesejada que é prejudicial à vida na Terra, mantendo a maior parte dela a uma distância segura da superfície da Terra em zonas gêmeas em forma de rosca chamadas de cinturões de Van Allen.

O que mais chama atenção responde pela sigla AMAS que significa Anomalia Magnética do Atlântico Sul. Trata-se de um fenômeno que ainda é um mistério para a ciência e que não raro nas redes sociais alguém questiona se não estaria interferindo no clima do Brasil e da América do Sul, apesar de não haver evidência alguma até o momento.

NOAA

A AMAS, que está crescendo e com seu centro mais perto da América do Sul, é uma espécie de defasagem na proteção magnética da Terra localizada sobre o Atlântico Sul, mais especificamente nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, em faixa que se estende até a África.

Mas, como este déficit de blindagem bem acima do Atlântico Sul pode afetar a vida no nosso planeta? Uma consequência que já compreendemos é na atuação dos satélites que estão na órbita da Terra. Ao passarem pela região com baixa na retaguarda de proteção, eles podem apresentar avarias causadas pelo fluxo de radiação cósmica.

Por isso, a anomalia é monitorada por agências espaciais como a ESA e a NASA, e mais recentemente pelo Brasil, que lançou ao espaço o nanossatélite NanosatC-BR2 com esta missão. É o que explicou à Agência Brasil o doutor em Física, pesquisador do Observatório Nacional, Marcel Nogueira.

”Por que as agências espaciais tem interesse na anomalia? Porque como essa região tem um campo mais enfraquecido, as partículas do vento solar adentram nessa região com mais facilidade, o fluxo de partículas carregadas que passam por aquela região é muito mais intenso”, explica Nogueira.

“Isso faz com que os satélites quando passam por essa região, eles tenham que, por vezes, ficar em stand by, desligar momentaneamente alguns componentes para evitar a perda do satélite, de algum equipamento que venha a queimar. Porque a radiação, principalmente elétrons, nessa região é muito forte. Então é de interesse das agências espaciais monitorarem constantemente a evolução desta anomalia, principalmente nesta faixa central”, complementa.

Imagine um dia sem internet, celular, GPS ou meios de comunicação? Se o fenômeno afeta os satélites que são responsáveis por sistemas de comunicação e geoposicionamento, então ele pode afetar a nossa vida tão tecnológica.

“Se gente estuda as tempestades também, temos condições de melhorar o nosso sistema de distribuição de energia elétrica e protegendo, evitando esses blecautes. Porque na vida cotidiana que a gente tem hoje em dia, tão dependente da tecnologia, qualquer tipo de apagão no sistema elétrico, de qualquer país, gera prejuízo de milhões ou até bilhões de dólares. É algo muito importante para nossa vida tecnológica hoje em dia.”, diz o pesquisador.

No Brasil, além do nanossatélite lançado ao espaço em uma parceria com a agência espacial da Rússia, também há dois observatórios magnéticos que, entre outras missões, estão focados em responder questionamentos sobre esta anomalia: Vassouras, no Rio de Janeiro, e Tatuoca, na região amazônica.

Ambos fazem parte da Rede Global de Observatórios Magnéticos, o Intermagnet. A falta de conclusões desperta curiosidade sobre a Anomalia do Atlântico Sul. Por isso é que ela acaba sendo popularmente associada a eventos como os já registrados no Triângulo das Bermudas. Mas, Marcel prefere dizer que o fenômeno é muito mais um desafio tecnológico e que não há conclusões que apontem para os riscos do fluxo das radiações cósmicas na vida humana.

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