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Ciclone extratropical intenso se formará sobre o Atlântico Sul, distante do continente, a Leste da Argentina, entre esta sexta e o sábado. O sistema de tempestade em alto mar vai influenciar o tempo numa extensa área da América do Sul, incluindo o Rio Grande do Sul.

Este será o primeiro ciclone extratropical mais intenso nas latitudes médias do continente em 2023. Nas latitudes mais altas, no Sul da América do Sul, mais perto da Antártida, baixa pressões profundas com características de ciclones são bastante recorrentes.

Uma área de baixa pressão de 997 hPa atua neste final de quinta-feira na área do Rio da Prata, entre a província de Buenos Aires e a costa Sul do Uruguai. No decorrer desta sexta-feira, a área de baixa pressão vai se aprofundar muito à medida que se distancia do continente e avança em direção ao Sul numa trajetória de Sul-Sudeste.

A frente fria associada ao centro de baixa pressão vai avançar pelo Rio Grande do Sul nesta sexta e se deslocar para Santa Catarina e o Paraná com chuva e temporais isolados. O sistema frontal percorrerá ainda o Norte da Argentina e o Paraguai, alcançando o Centro-Oeste do Brasil no final desta semana. A frente fria vai chegar ainda em São Paulo, onde deve provocar muita chuva.

Ciclones extratropicais no Atlântico Sul ocorrem em qualquer época do ano o período entre o outono e a primavera são os de ciclogênese (formação de ciclone) mais frequente nas latitudes médias do continente. Com a La Niña e incursões de ar frio, cresce o risco de ciclones entre o Sul do Brasil, o Centro da Argentina e o Uruguai.

Um ciclone se formar na época do Carnaval não é novidade. Em fevereiro de 2020, durante o período de Carnaval, um ciclone se formou na mesma região em que este sistema vai atuar e foi responsável por trazer uma massa de ar frio para o Sul do Brasil que chegou a causar marcas recordes e históricas de frio, além de ressaca.

Vai ser um ciclone bomba?

Um ciclone bomba ou bomba meteorológica ocorre quando um ciclone nas latitudes médias se intensifica rapidamente” com a queda muito acentuada da pressão atmosférica e um fortalecimento muito rápido da tempestade. A chamada bombogênese ou ciclogênese explosiva, a formação do ciclone bomba, se dá quando um centro de baixa pressão tem uma queda da pressão atmosférica de ao menos 24 hPa (hectopascais que é uma medida de pressão) em 24 horas.

Assim, não é a intensidade que define um ciclone bomba e sim a rápida queda da pressão em seu centro. Algumas tempestades extratropicais podem se intensificar tão rapidamente quanto 60 hPa em 24 horas e alguns ciclones do tipo bomba chegam a formar um olho, semelhantes ao centro de um furacão que é um ciclone tropical.

Modelos numéricos divergem se este sistema terá queda de ao menos 24 hPa em 24 horas de forma a configurar um ciclone bomba, mas todos indicam que será intenso a uma grande distância do Sul do Brasil.

O modelo meteorológico alemão Icon, um dos mais confiáveis e usados no mundo, indica que será uma bomba meteorológica no Atlântico Sul. Tal modelo indica pressão mínima no centro da baixa pressão de 997 hPa para 21h desta quinta-feira na costa do Uruguai e de 971 hPa no mesmo horário na sexta, quando o sistema já estará distante. A queda em 24 horas é de 26 hPa, o que classifica o sistema como bomba.

Um ciclone é essencialmente uma gigantesca coluna de ar ascendente que gira no sentido horário sobre o Hemisfério Sul. Quando uma corrente de jato mais intensa se sobrepõe a um sistema de baixa pressão em superfície em desenvolvimento, estabelece-se um padrão de feedback que faz o ar quente subir a uma taxa crescente. Isso permite que a pressão caia rapidamente no centro do sistema.

À medida que a pressão cai rapidamente, os ventos se fortalecem ao redor da tempestade. Na prática, a atmosfera tenta equilibrar as diferenças de pressão atmosférica entre o centro do sistema e a área ao seu redor. O enorme gradiente (diferença) de pressão acaba por gerar o vento muito forte.

Quais serão as consequências deste ciclone

Felizmente, no Sul do Brasil, as consequências diretas deste sistema não serão maiores. O maior risco é indireto e está associado à evolução da frente fria ligada ao ciclone que vai trazer chuva excessiva e temporais em parte do Sul do país.

Embora temporais possam ocorrer no Rio Grande do Sul, o maior risco de tempo severo se dará no Oeste catarinense e principalmente no Paraná e no Sul-Sudoeste do Mato Grosso do Sul. Contraste grande de temperatura entre duas massas de ar, atmosfera quente precedendo a frente fria e pressão atmosférica baixa agravam o risco de temporais isolados, especialmente de vendavais.

Os volumes de chuva devem ser muito altos a excessivos com elevada probabilidade tanto de inundações como de alagamentos no Paraná. Acumulados superiores a 150 mm ou 200 mm podem se dar em diversas cidades paranaenses, como mostra a projeção de chuva acumulada em 72 horas, até 9h de domingo, do nosso modelo WRF.

Onde as consequências diretas do ciclone por vento e agitação marítima serão maiores será na Argentina e no Uruguai. O litoral da província de Buenos Aires, o Sul do Uruguai (incluindo a área de Montevidéu) e o Leste uruguaio devem ter chuva forte, vento por vezes muito forte e frio com baixa sensação térmica entre esta sexta e o começo do sábado.

Os volumes de chuva em pontos destas áreas pelas pancadas (chaparrones em espanhol) podem ser muito altos e as rajadas de vento em setores da costa Sul do Uruguai e da costa atlântica da província de Buenos Aires devem ficar por horas seguidas entre 70 km/h e 90 km/h, ocasionalmente superiores, o que vai gerar agitação marítima.

No Rio Grande do Sul, como é comum em incursões de ar frio mais fortes, rajadas de vento do quadrante Sul devem ser esperadas nesta sexta-feira durante o ingresso da massa de ar frio impulsionada pelo ciclone, o que é absolutamente normal.

Não há indicativo de vento ciclônico, que é intenso e com rajadas por muitas horas seguidas, o que se espera na área mais próxima do sistema, no litoral do Uruguai e na costa de Buenos Aires. No litoral, contudo, o tempo fica mais ventoso no final desta semana com o vento apresentando rajadas em média de 50 km/h e 70 km/h – isoladamente maiores – em alguns momentos no Sul e no Leste gaúcho e nos litorais catarinense, paranaense e da costa Sul de São Paulo.

O que pode ocorrer no litoral gaúcho é maior agitação marítima com correntes passando a ser de Sul e ondas maiores na costa Sul gaúcha com algum risco de ressaca. Isso acabaria com a longa sequência de dias de mar calmo com águas claras e quentes em muitas praias gaúchas.

Ciclone vai impulsionar ar frio

Possivelmente, o maior impacto deste ciclone no Sul do Brasil será a temperatura. É que vai ser justamente o ciclone extratropical no Atlântico Sul que impulsionará uma massa de ar frio forte para os padrões de fevereiro para o Centro e o Norte da Argentina, Paraguai, Uruguai e o Centro-Sul do Brasil (leia aqui sobre a massa de ar frio).

É o que explica o porquê desta massa de ar frio ter um deslocamento pelo Centro-Sul da América do Sul com trajetória de natureza continental, ou seja, pelo interior do continente. Avança pela Argentina até o Norte do país e alcança o Paraguai e parte da Bolívia, além do Uruguai, o Sul do Brasil e parte do Sudeste.

Normalmente, no verão, as massas de ar frio que não deixam de chegar às latitudes médias do continente costumam ter uma trajetória marítima. Por isso, chama a atenção o comportamento deste pulso de ar frio de deslocamento continental que será garantido exatamente por estar o ar frio sendo impulsionado por um ciclone intenso no Atlântico.