O calor que castiga neste fim de ano dezenas de milhões de brasileiros em vários estados do Sul, Centro-Oeste e o Sudeste do Brasil pode ser considerado fora do normal com base na estatística histórica que mostra valores de temperatura fora da curva, avalia a MetSul Meteorologia.

Dezenas de milhões de pessoas em vários estados amargam um fim de ano com calor excessivo e temperaturas muito fora do padrão desta época do ano e sem precedentes em muitas décadas | FERNANDO FRAZÃO/AGÊNCIA BRASIL/EBC
O melhor exemplo é a cidade de São Paulo, onde o calor não há precedentes para um fim de ano tão quente como agora em 2025. São dias seguidos de calor excessivo numa época em que calor com marcas extremas não é comum na capital paulista.
A estação do Instituto Nacional de Meteorologia no Mirante de Santana (zona Norte), usada como referência para a climatologia da capital paulista, registrou temperaturas máximas de 33,7ºC no domingo (21); 33,9ºC na segunda (22); 34,1ºC na terça (23); 34,6ºC na quarta (24); 35,9ºC na quinta (25); e 36,2ºC na sexta (26).
A média histórica de temperatura máxima na estação mostra como as marcas neste fim de ano estão muito fora do normal. Ela é de 28,3ºC, ou seja, as máximas têm estado até 8ºC acima do que é comum para este período do ano.
Mas há um dado que evidencia ainda mais a anormalidade do que se experimenta nestes dias na capital paulista. No dia de Natal mais quente de sua história, a cidade de São Paulo registrou a maior temperatura já observada em dezembro com 35,9ºC, batendo o recorde prévio de 35,6ºC de 3 de dezembro de 1998, o que é excepcional.
Ocorre que no dia seguinte, ontem (26), o recorde foi estabelecido de novo com máxima de 36,2ºC na estação do Mirante de Santana. Estabelecer um recorde mensal em série histórica de muitas décadas é sempre um fato excepcional. Estabelecer recorde mensal por dois dias seguidos é um fato extraordinário.
Mas não apenas a capital paulista teve recorde mensal de temperatura. De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia, no Centro-Oeste do Brasil, a estação de Brasília (Distrito Federal), que tem dados desde 1961, anotou máxima ontem (26) de 30,4ºC, a mais alta já observada em um mês de dezembro.
O Rio de Janeiro da mesma forma experimenta dias tórridos. Como a cidade convive com extremos de temperatura no verão, a temperatura não chega a desviar tanto de padrões históricos como em São Paulo, embora não seja muito consolo para quem tem sofrido com dias escaldantes no Rio.
Entre os dias 21 e 25 de dezembro, as temperaturas máximas medidas pelo Alerta Rio da Prefeitura do Rio de Janeiro indicaram calor excessivo a extremo na cidade do Rio de Janeiro com dois dias em que as máximas passaram de 40ºC.
No dia 21, termômetros indicaram 35,4°C em Santa Cruz, enquanto no dia 22 a máxima foi ainda maior com 35,9°C na estação de Barra/Riocentro. No dia 23, Guaratiba registrou 40,0°C. No dia 24, novamente em Guaratiba, a máxima ficou em 39,7°C. Já no dia 25, o pico do período foi registrado com 40,1°C em Guaratiba. No dia 26, máxima de 37,2ºC em São Cristovão.
Na cidade de Belo Horizonte, onde a temperatura máxima média histórica de dezembro é de 28,2ºC, o Instituto Nacional de Meteorologia mediu 30,9ºC no dia 23; 32,0ºC no dia 24; 33,1ºC no dia de Natal; e 34,1ºC ontem (26).
Mesmo Curitiba, que pela altitude e estar mais ao Sul e perto da costa não costuma ter calor excessivo, vem sofrendo com dias atipicamente quentes neste fim de ano. Dados do Instituto Nacional de Meteorologia mostram que as máximas foram de 30,4ºC no dia 21; 32,1ºC no dia 22; 32,3ºC no dia 23; 32,7ºC no dia 24; 32,1ºC no dia 25; e 33,2ºC no dia 26. A máxima média histórica de dezembro na capital paranaense é de 26,7ºC.
Por que esse calor fora do normal?
A explicação para esses extremos de temperatura alta agora no fim do no Brasil passa pela atuação de um fenômeno que é velho conhecidos dos meteorologistas e se chama de Vórtice Ciclônico em Altos Níveis da Atmosfera (VCAN).
O Vórtice Ciclônico de Altos Níveis (VCAN) é um sistema atmosférico caracterizado por rotação ciclônica, que ocorre no sentido horário no Hemisfério Sul, localizado em níveis altos da atmosfera, geralmente entre 9 e 12 quilômetros de altitude.
O VCAN surge a partir de instabilidades na circulação em altitude, quando o ar frio e seco das camadas superiores se organiza em um grande redemoinho. Esse tipo de sistema costuma aparecer com mais frequência no verão e na primavera, sobretudo entre o Nordeste, o Centro-Oeste e parte do Sudeste do Brasil, onde a circulação atmosférica é favorecida pelo intenso aquecimento da superfície e pela presença de ar tropical úmido em baixos níveis.
O VCAN tem uma característica marcante: enquanto seu centro costuma gerar tempo mais firme, com menos nuvens e baixa umidade por causa do movimento descendente de ar, as bordas do sistema concentram instabilidade.
Nessas áreas periféricas ao Vórtice Ciclônico de Altos Níveis ocorre a ascensão de ar quente e úmido (convecção), o que favorece a formação de muitas nuvens carregadas, tempestades isoladas e acumulados irregulares de chuva com volumes localmente altos, como se viu no Rio Grande do Sul nesta semana.
Normalmente, esta época do ano é chuvosa no Sudeste e no Centro-Oeste, marcando o auge da temporada de chuvas anual. Justamente por ser o auge da temporada chuvosa anual, com chuva frequente e quase que diária, não costumam ocorrer extremos de calor como no fim do inverno e no início da primavera, reta final da temporada seca anual e que habitualmente concentra os dias mais quentes do ano no Centro do país.
Ocorre que, com o Vórtice Ciclônico em Altos Níveis da Atmosfera (VCAN) sobre o centro do país, o sistema trouxe uma grande supressão na instabilidade na região e deixou o tempo sem chuva na maior parte do Sudeste do país, o que favoreceu maior aquecimento e dias de calor intenso.
Número de dias de calor intenso aumenta no Brasil com as mudanças climáticas
Levantamento do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe) mostra que no Brasil o número de dias com ondas de calor passou, em média, de sete para 52 em 30 anos. Para avaliar as mudanças climáticas no Brasil, o estudo identificou séries de precipitação, temperatura máxima e outros três índices derivados, considerados extremos climáticos: dias consecutivos secos, precipitação máxima em cinco dias e ondas de calor.
Os cálculos efetuados para todo o território brasileiro consideraram o período de 1961 a 2020. Entre 1961 e 1990, o número de dias com ondas de calor não ultrapassava em média sete. Para o período de 1991 a 2000, subiu para 20; entre 2001 e 2010 atingiu 40 dias; e de 2011 a 2020, o número de dias com onda de calor chegou a 52.
Entre 2011 e 2020, o levantamento aponta para o contraste entre duas regiões do país: enquanto houve uma queda na taxa média de precipitação, com variações entre menos 10% e menos 40% no Nordeste até o Sudeste e na região central do Brasil, foi observado aumento entre 10% e 30% na área que abrange os estados da região Sul e parte dos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul.
No levantamento, foram considerados dados de 1.252 estações meteorológicas convencionais e um total de 11.473 pluviômetros para dados de precipitação.
“O mais recente relatório do IPCC destacou que as mudanças climáticas estão impactando diversas regiões do mundo de maneiras distintas. Nossas análises revelam claramente que o Brasil já experimenta essas transformações, evidenciadas pelo aumento na frequência e intensidade de eventos climáticos extremos e irão se agravar nas próximas décadas proporcionalmente ao aquecimento global”, ressaltou o pesquisador do Inpe Lincoln Alves, que coordenou os estudos.
