A cidade russa de Verkhoyansk alcançou no último fim de semana 38º C, recorde histórico absoluto e possível recorde dentro do Círculo Polar Ártico. O excepcional episódio de calor, que se concentra principalmente na Sibéria, mas se espalha para outras regiões polares, está multiplicando incêndios na região.
A temperatura em Verkhoyansk, como em muitas áreas desta latitude, está sujeita a flutuações significativas. No inverno, é um dos lugares mais frios do planeta, atingindo -50ºC, mas nessa época do ano a temperatura média fica em torno de 20ºC, quase metade do que foi medido no sábado. Portanto, para os cientistas, a coisa mais alarmante não é tanto o recorde de temperatura.
O problema é que a Sibéria está há meses, pelo menos desde dezembro passado, com temperaturas acima do habitual, como demonstrado recentemente pelo Serviço de Mudanças Climáticas da rede européia Copernicus.
Essa onda de calor que pouca atenção tem recebido em parte pela onipresença da pandemia do COVID-19 nos noticiários é mais um exemplo da aceleração da mudança climática.
O aquecimento global está acelerando e algumas partes do mundo estão aquecendo muito mais rapidamente do que outras.
Temperatures reached +38°C within the Arctic Circle on Saturday, 17°C hotter than normal for 20 June. #GlobalHeating is accelerating, and some parts of the world are heating a lot faster than others.
The #RaceToZero emissions is a race for survival.
Dataviz via @ScottDuncanWX pic.twitter.com/NIKeAYdiJd
— UN Climate Change (@UNFCCC) June 22, 2020
Freja Vamborg, cientista sênior do Serviço de Mudança Climática Copernicus diz que que é um “sinal alarmante”, o que não é surpreendente, afinal o aquecimento global não é uniforme e as regiões polares estão passando por mudanças mais rápidas do que o resto do planeta. “O que é incomum neste caso é o tempo em que as anomalias mais quentes que a média estão persistindo”.
Algumas das consequências foram o degelo precoce de alguns rios da região, duas a três semanas antes do normal, embora o mais dramático tenha sido o derramamento de combustível em Norilsk, que é considerado parcialmente relacionado ao degelo do permafrost, o solo congelado que cobre a região.
O derretimento do permafrost é um quebra-cabeça difícil para a Rússia, onde muitas cidades e grande parte da infraestrutura de extração de petróleo e gás foram construídas com a estabilidade do solo congelado.
É também um fenômeno que provoca o chamado feedback sobre as mudanças climáticas: o degelo do permafrost – causado pelas mudanças climáticas – libera gases de efeito estufa, principalmente metano, que por sua vez alimentam a aceleração das mudanças climáticas.
Os dados de Copernicus e da NASA coincidem em apontar o período de dezembro a maio como o mais quente já registrado na região em uma série histórica que remonta a 1880.
Outra conseqüência dessas temperaturas extremas é a proliferação de incêndios nessas áreas remotas e de difícil acesso.
Os dados mais recentes extraídos pelo cientista do Serviço de Monitoramento Atmosférico da rede europeia Copernicus mostram que a radiação emitida pelos incêndios é muito superior à média usual para esta época do ano.
Se a tendência continuar, 2020 entrará na história como o ano com os piores incêndios na região. As emissões para junho já excedem as de 2019, como se vê em um gráfico com as emissões anuais de carbono para o mês de junho.
A fumaça dos incêndios cobre centenas de quilômetros, como mostram imagens de satélite obtidas por especialistas. Não menos de 1.500 quilômetros, de acordo com algumas estimativas.
A temporada passada já foi marcada por uma onda sem precedentes de incêndios na Sibéria, mas eles não começaram tão cedo ou com tanta intensidade.
As altas temperaturas no Círculo Polar Ártico não se limitam à Sibéria, embora seja lá onde elas tenham sido mais extremas há meses. O nordeste do Canadá e a Escandinávia também estão experimentando tempo excepcionalmente quente e os primeiros grandes incêndios estão começando a se espalhar.
A nuvem de monóxido de carbono causada pelo grande incêndio de Quebec se espalhará pelo Oceano Atlântico nos próximos dias, de acordo com a última previsão do Copernicus Atmospheric Monitoring Service
De acordo com os modelos meteorológicos, esse calor excepcional na Sibéria será mantido por pelo menos as próximas duas semanas dias.
Esta situação também está causando um derretimento acelerado do Oceano Ártico na fronteira com a Sibéria, em um nível recorde para esta época do ano.