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Em 1985, o British Antarctic Survey, o serviço polar britânico para a Antártida, alertou o mundo que na atmosfera acima do Polo Sul um buraco gigante estava se formando na camada protetora de ozônio da Terra. Líderes mundiais rapidamente se reuniram para encontrar uma solução.

Dois anos depois, as Nações Unidas (ONU) concordaram em proibir os produtos químicos responsáveis pela erosão da camada da estratosfera que protege a Terra da radiação ultravioleta do sol. Conhecido como o acordo do Protocolo de Montreal, ainda é um dos tratados mais amplamente ratificados pela ONU.

O Protocolo de Montreal foi uma vitória para a diplomacia e a estratosfera. Mas sem o conhecimento de seus signatários na época, o acordo também foi uma proteção inesperada contra a catástrofe climática.

Como mostra uma nova pesquisa, divulgada pela Hakai Magazine, as apropriadamente chamadas substâncias destruidoras de ozônio (ODSs) que criaram o buraco na Antártida também são responsáveis por causar 30% do aumento de temperatura global de 1955 a 2005.

Michael Sigmond, cientista do clima do Environment and Climate Change Canada, é o principal autor de um novo estudo que calcula a potência destas substâncias na captura de gases do efeito estufa. A contribuição delas para o aquecimento global é, diz ele, “maior do que a maioria das pessoas imagina”.

O Protocolo de Montreal regula cerca de 100 produtos químicos que consomem ozônio. Muitos caem sob a égide dos clorofluorcarbonos (CFCs), produtos químicos popularizados na década de 1930 para uso em latas de spray, espumas plásticas e refrigeração.

Comparados com a variedade de alternativas tóxicas e inflamáveis que eles substituíram, os CFCs eram vistos como produtos químicos maravilhosos e, no início dos anos 1970, o mundo produzia quase um milhão de toneladas deles por ano.

O mundo eliminou quase 99% das substâncias que destroem a camada de ozônio desde a assinatura do Protocolo de Montreal de 1987. Embora a situação tenha melhorado muito desde os piores níveis nas décadas de 1990 e 2000, as Nações Unidas dizem que o buraco de ozônio sobre a Antártida não será resolvido até 2066.

Os CFCs são inertes, portanto, não reagem com outros gases. Em vez disso, eles tendem a se acumular na atmosfera e flutuam para onde quer que o vento os leve, pairando no ar por 85 anos ou mais. Assim que atingem a estratosfera, a segunda camada da atmosfera da Terra, os CFCs começam a se decompor.

Eles são “destruídos ao serem atingidos por fótons”, explica Dennis Hartmann, cientista climático da Universidade de Washington que não participou da pesquisa. Esse tumulto reativo é o que causa o buraco na camada de ozônio.

Na troposfera – o nível mais baixo da atmosfera e que sofre menos os efeitos dos fótons – os ODSs atuam como gases de efeito estufa de longa duração. Em 1987, os cientistas já sabiam que retinham parte da radiação solar, mas não sabiam quanto. Só recentemente os cientistas reuniram as evidências de que são, na verdade, um dos agentes de aquecimento mais prejudiciais do último meio século.

Os efeitos desse aquecimento são amplificados nos polos. O trabalho de Sigmond e seus colegas mostra que, se as substâncias nunca tivessem sido produzidas em massa – se a concentração na atmosfera tivesse permanecido nos níveis de 1955 – o Ártico hoje seria pelo menos 55% mais frio e haveria 45% a mais de gelo marinho a cada setembro, o pico da cobertura de gelo marinho anual.

A produção das substâncias e estabilizou na década de 1990, mas, por terem uma vida tão longa, esses gases ainda estão circulando e o aquecimento que eles causam ainda está aumentando. No entanto, poderia ter sido muito pior. Ao proibir as substâncias como o CFC, o Protocolo de Montreal evitou involuntariamente 1°C de aquecimento até 2050, diz o estudo.

Com o Protocolo de Montreal, os líderes mundiais se uniram em torno de uma causa urgente. No processo, eliminou-se inadvertidamente a segunda maior força do aquecimento global. Os benefícios inesperados para o clima global, diz Susann Tegtmeier, cientista atmosférico da Universidade de Saskatchewan que não participou do estudo, “pode ser considerado um efeito colateral muito positivo e muito bem-vindo”.

Embora tenha sido preciso muito mais negociação e inovação para começar a desalojar o principal fator da mudança climática – o dióxido de carbono – o Protocolo de Montreal prova o poder da ação coletiva e mostra como enfrentar os problemas ambientais pode nos ajudar de maneiras que não esperávamos.