O cenário é de absoluta devastação, como se a cidade tivesse sido alvo de bombardeio numa guerra. Mas foi o vento, com rajadas de até 300 km/h, que transformou a pacata cidade de Rio Bonito do Iguaçu em poucos segundos numa zona de desastre e mudou para sempre a vida dos seus moradores.

ROBERTO DZIURA JR/AEN
Passados dias da catástrofe que veio do céu, entre destroços de casas, comércios e vidas interrompidas, a esperança começa a florescer com mobilização da comunidade, ajuda de diversas cidades vizinhas e de todo o estado do Paraná e auxílio que vem de todo o Brasil.
Foram cinco mortos, 750 feridos e mais de mil desalojados. O fenômeno, segundo avaliação preliminar da MetSul Meteorologia, alcançou categoria EF-4 na Escala Aprimorada de Fujita, com ventos estimados entre 250 e 300 km/h, um dos mais violentos do mundo neste ano.
Em meio à destruição, a solidariedade se tornou o alicerce de uma cidade que tenta reerguer-se. Moradores, vizinhos e voluntários trabalham lado a lado, limpando as ruas e recolhendo entulhos. O governo estadual liberou R$ 50 milhões do Fundo de Calamidade para apoiar a reconstrução de casas, escolas e da Apae local.
Entre os que perderam tudo está Romualdo Vovani, de 45 anos, que chegou de Laranjeiras do Sul minutos após a tempestade. “O comércio dos meus pais foi destruído. Era o ganha-pão deles há mais de 30 anos. Cheguei e encontrei os dois machucados, mas vivos. A gente pensa no pior, e quando vê que foi só perda material, sente um alívio imenso”, contou, enquanto ajudava na limpeza do bairro. “Agora é recomeçar. A solidariedade que estamos vendo aqui aquece o coração.”
Para José Godoy, ex-militar da Marinha e participante da missão de paz no Haiti, a tragédia teve um impacto pessoal e emocional profundo. Sua esposa, grávida de quatro meses, sobreviveu ao colapso da casa. “Ela se protegeu debaixo da mesa, sozinha, com medo e chorando. Quando cheguei, só pensei em abraçá-la. Os bens materiais a gente recupera. A vida, não.”
O estudante Eduardo Zanotto, de 22 anos, lembra do pânico enquanto o telhado voava. “Corremos para o banheiro, meu pai ficou para trás e foi arrastado. Se salvou porque se escondeu debaixo da mesa. Mesmo ferido, ele depois ajudou a levar feridos na ambulância.”
A jovem Carla Kerkhoff, de 24 anos, viu a casa desabar sobre os móveis. Ferida, ela agora mora com parentes. “Perdemos tudo, mas seguimos vivos. Essa ajuda do Estado e de tantas pessoas é o que dá força para continuar.”
A idosa Anatália Lunardi, de 63 anos, resume o sentimento coletivo: “Foi apavorante. Mas estamos vivos, e isso é o que importa. Agora é reconstruir, um ajudando o outro. Rio Bonito vai se levantar”.

ROBERTO DZIURA JR/AEN

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Mas o que levou a esse evento de destruição tão extrema? A cadeia de fatores meteorológicos que culminou no tornado foi complexa e raramente observada com tamanha intensidade no Sul do Brasil.
De acordo com a análise da MetSul Meteorologia, tudo começou com a atuação de um profundo centro de baixa pressão que cruzava o Norte do Rio Grande do Sul na tarde de sexta-feira, dando origem a um ciclone extratropical — processo conhecido como ciclogênese. A pressão atmosférica na região estava excepcionalmente baixa, ao redor de 1000 hPa ou menos, o que favoreceu o desenvolvimento de tempestades organizadas.
Como costuma ocorrer em episódios de ciclones mais intensos, uma linha de instabilidade se formou desde o início da tarde de sexta entre o Noroeste e o Norte gaúcho, avançando rapidamente por Santa Catarina e alcançando o Paraná no final do dia.
Essas condições criaram um ambiente propício para ventos violentos, granizo e tornados. As correntes de jato em baixos níveis — corredores de vento quente e seco que se originam na Bolívia e atingem o Sul do Brasil — estavam especialmente intensas sobre o Noroeste gaúcho, o Oeste catarinense e o Paraná, favorecendo o cisalhamento do vento, um dos ingredientes fundamentais para a formação de tornados.
As supercélulas são conhecidas por sua corrente ascendente rotativa, o mesociclone, que pode gerar tornados violentos como o observado na cidade paranaense. O tornado de Rio Bonito, com intensidade EF-4, entra para a história como o mais grave do Paraná desde o de Palmas, em 1959, e o mais letal do Brasil desde o de Antônio Prado, em 2003.
Apesar da destruição, o espírito da cidade permanece inabalável. Entre ruínas e entulhos, crianças brincam, voluntários distribuem refeições e vizinhos se ajudam mutuamente. “O vento levou tudo, menos a vontade de viver”, resume um morador.
