Sismos de média intensidade que chegaram a causar danos em Los Angeles provocaram apreensão na Califórnia (Estados Unidos) dias atrás, sob o medo que poderiam ser precursores do chamado “big one”. Na quarta, terremoto de magnitude 6,2 afetou o Panamá. Por dois dias seguidos, o Norte do Chile enfrentou sismos muito intensos e com formação de tsunamis. Terremoto de 8,2 provocou danos (reprodução abaixo do El Mercurio) e seis mortes na noite de terça-feira na costa Norte chilena. As ondas do tsunami chegaram a dois metros e houve registro de elevação do nível do mar na Califórnia, Japão e Havaí. Quarta à noite outro abalo no Norte chileno, de magnitude 7,6, causou tsunami menor na costa e voltou a gerar medo.
A sequência de sismos na parte Oeste do continente americano, junto ao Círculo de Fogo do Pacífico, se dá no momento em que enorme área de águas mais quentes que a média avança abaixo da superfície de Oeste para Leste, no que se denomina de Onda Kelvin. O deslocamento desta massa de águas mais quentes (gráfico abaixo do BoM) pode desencadear muito em breve o primeiro evento do fenômeno El Niño desde 2009/2010. Já se observa um aquecimento do Pacífico Equatorial Central e Leste, e a tendência é que estas anomalias da temperatura da superfície do mar (TSM) se tornem ainda mais positivas.
Poderia esta recente alta da atividade sísmica estar relacionada ao que ocorre no oceano com a iminência de anomalias de El Niño ? Este é um tema extremamente controverso na ciência. Ainda na década de 80, Daniel A. Walker, do Hawaii Institute of Geophysics na Universidade do Havaí, publicou um estudo relacionando a ocorrência de terremotos na Cadeia Leste do Pacífico (East Pacific Rise ou EPR), que vai do Golfo da Califórnia até a Ilha de Páscoa e adiante, a episódios de El Niño (aquecimento das águas do Oceano Pacífico na região equatorial). Ao longo de 285 meses de dados, até setembro de 1987, Walker encontrou uma incrível coincidência entre a energia de terremotos na região e a recorrência de episódios Niño na EPR (mapa ao lado). Em congresso de Geologia, em Londres, pesquisadores se concentraram na microplaca da Ilha da Páscoa (Chile) porque é relativamente isolada de outras falhas, o que torna mais fácil distinguir mudanças causadas pelo clima. Desde 1973, a chegada periódica do El Niño foi acompanhada de uma freqüência maior de tremores no fundo do mar com magnitude entre 4 e 6 graus. Os cientistas que defendem a tese de correlação entre El Niño e sismicidade sustentam que o fenômeno aumentaria o nível do mar (ver gráfico abaixo), gerando um peso maior e aumentando a pressão de fluídos nas rochas do leito do Oceano Pacífico.
O tema é muito controvertido na litertura especializada em Geologia. El Niño seria causa ou consequência de atividade sísmica ? Ou seria uma alteração importante e súbita do perfil de temperatura do Pacífico, seja na transição para El Niño ou La Niña, que levaria a uma maior atividade sísmica ? Ou não teria qualquer correlação ? A. G. Hunt é crítico do trabalho de Walker e em estudo (“Seismic predictors of El Niño revisited”), publicado no ano 2000, observa que todos os episódios de El Niño desde 1960 (possivelmente com a exceção do evento de 1982/1982) foram precedidos por uma mudança no nível do mar (menor no Pacífico Leste e maior no Oeste). “Se um aumento no nível do oceano associado a condições de El Niño pode ser capaz de induzir uma alta na atividade sísmica na Cadeia Leste do Pacífico (EPR), então níveis menores podem ser capazes de gerar o mesmo efeito”, destaca. Diz ainda que variações do nível do oceano na ordem que se observa (associadas à transferência de massas de água nos ciclos ENSO) resultariam em alteração de pressão insignificante e que seria insuficiente para alterar a freqüência de terremotos (sismicidade). Contesta, ademais, em seu estudo o trabalho de Walker (“Seismicity of the East Pacific Rise: correlations with the southern oscillation index?”) ao assinalar que uma vez provado o papel do vento para desencadear o fenômeno oceânico-atmosférico El Niño, a teoria de que aquecimento em decorrência de atividade vulcânica no leito do oceano seria descartável. “A aparente correlação entre El Niño e terremotos é meramente coincidência”, conclui.
Outro pesquisador que se debruçou sobre o controverso tema El Niño e sismicidade foi Sergue Guilas (“Statistical analysis of the El Niño–Southern Oscillation and sea-floor seismicity in the eastern tropical Pacific”). Em seu estudo, conclui que o aumento da sismicidade na Cadeia Leste do Pacífico decorre de um forte gradiente de temperatura da superfície do mar se deslocando de Leste para Oeste, levando a um menor nível do oceano na Cadeia Leste e uma redução da pressão no leito do oceano de poucos kilopascais. Estabeleceu que maiores valores da SOI (Índice de Oscilação Sul) trazem mais terremotos nos 2, 3 e 6 meses seguidos, e valores menores da oscilação menos terremotos. Em estudo intitulado “Magmatic Heat and the El Niño Cycle”, publicado em junho de 2011, os pesquisadores Herbert R. Shaw e James G. Moore, do USGS (Serviço Geológico dos Estados Unidos) descreveram grandes fluxos de lava submarinos que, segundo eles, poderia produzir anomalias termais capazes de perturbar o processo cíclico do oceano, podendo ser um fator de gênese do El Niño. De acordo com os pesquisadores, grandes eventos de magma associados à flutuação de sismicidade ao longo da Cadeia Leste do Pacífico são possíveis em intervalos mais longos e poderiam explicar episódios de grande magnitude do El Niño, como o de 1982-1983.
Em outro trabalho (“Plate Tectonics and the El Niño Cycle”), publicado em abril de 2003, Maria Gausmam analisa a freqüência de terremotos, erupções vulcânicas, tsunamis e a correlação com a SOI (Índice de Oscilação do Sul), variável usada para monitorar o ciclo ENSO no Pacífico Equatorial. “A correlação das várias atividades tectônicas com a SOI não mostrou nenhuma correlação entre os eventos”. Em gráfico no estudo (acima), entretanto, a cientista destaca um maior número de terremotos em momentos imediatamente precedentes e posteriores aos episódios de El Niño. Assim, existem trabalhos científicos sustentando diferentes teorias e que chegam a ser contraditórias. O assunto ainda suscita mais perguntas do que respostas.