“Tempo negro. Temperatura sufocante. O ar está irrespirável. O país está sendo varrido por fortes ventos. Máxima de 38ºC em Brasília. Mínima de 5ºC nas Laranjeiras”. Com este texto de previsão no alto de sua página de capa, o Jornal do Brasil foi às ruas no dia 14 de dezembro de 1968, dia seguinte à sexta-feira 13 que marcou a decretação do Ato Institucional número 5. Não foi um prognóstico do tempo verdadeiro feito por meteorologistas, mas sim um protesto realizado pela redação de jornalistas do JB, mas refletiu com perfeição o clima político do país que se instalava naquele momento da história, quatro anos depois da ruptura institucional que sepultou a democracia e mergulharia o Brasil em um regime de exceção de duas décadas.

O famigerado AI-5 dos militares golpistas dava poderes extraordinários ao Presidente da República e suspendia diversas garantias constitucionais, dentre elas direitos políticos e de reunião, e até mesmo o recurso de habeas corpus, a última defesa do cidadão na preservação da sua liberdade. Era inaugurada a fase mais cruel da ditadura militar brasileira, os chamados “anos de chumbo”. No dia 14 de dezembro de 1968, a temperatura ficou longe dos 38ºC previstos na previsão de protesto. A máxima naquele dia em Brasília foi de 27,2ºC, mas o ar estava, de fato, irrespirável e a atmosfera sufocante.


O pequeno e histórico texto da previsão do tempo de protesto carregado de metáforas na capa do Jornal do Brasil publicado em dezembro de 1968 acabou por inspirar o título de um livro lançado em 2008 pela PUC-Rio sobre o período mais cruel do período de exceção. A obra “Tempo negro, temperatura sufocante – Estado e Sociedade no Brasil do AI-5” foi organizado por Oswaldo Munteal Filho, Adriano de Freixo e Jacqueline Ventapane. O trabalho é uma coletânea de artigos que discutem os impactos do Ato Institucional número 5 e que se tornou o mais violento dos atos institucionais. São publicadas várias análises sobre os aspectos que envolviam a sociedade e o Estado naqueles anos de violência institucional focando no Itamaraty, Forças Armadas, Administração Pública, Movimento Operário, a violência no Campo, Igrejas cristãs, Cultura, Imprensa e Economia. Na orelha do livro, a mensagem que muito bem resume a obra e traduz o período de redemocratização nacional depois de 1985: “O processo de reconstrução da democracia brasileira não teria sido possível se não fôssemos capazes de superar de forma duradoura o autoritarismo e nos comprometer com a liberdade”.

O dia do golpe militar foi ameno em Brasília que teve uma jornada de condições meteorológicas típicas para a época do ano, em que as pancadas de chuva ainda são frequentes e as marcas geralmente amenas por conta da instabilidade. A mínima foi de 17,8ºC e a máxima de 25,0ºC na estação do Instituto Nacional de Meteorologia da então nova capital federal. Já em Porto Alegre, aquela jornada de ruptura foi fria para o começo do ano. A mínima em 31 de março de 1964 foi de 12,9ºC e a máxima atingiu apenas 21,2ºC na estação meteorológica do bairro Farropupilha em jornada que teve sol por conta de massa de ar seco e frio de alta pressão. Que as nuvens escuras do totalitarismo jamais retornem e o sol da democracia possa sempre brilhar no céu do nosso amado Brasil.